quarta-feira, 13 de abril de 2011

Eu e o censo de 1970



Em 1971, já professora efetiva lecionando na E.E. Prof. Antonio Olegário dos Santos Cardoso, no Bairro Adachi em Mogi das Cruzes, fui convidada a participar do censo agropecuário, em continuidade ao recenseamento de 1970.

Tudo era novo, morar em outra cidade, trabalhar na área rural, ter meu primeiro carro, um fusquinha 66 azul e agora participar desse trabalho junto ao IBGE local. O diretor desse órgão na cidade era o Dr. Francisco Nogueira – Chico Nogueira como seria conhecido quando candidato à prefeitura. Viera de Mirassol, transferido com a família para exercer ali essa função. Boa pessoa, calmo, compreensivo e correto. Faleceu ainda jovem, logo após as eleições de 1982.

Participei do treinamento e recebi de suas mãos a área na qual deveria visitar as propriedades rurais para preencher os formulários daquele censo – 43 propriedades perdidas em meio a resquícios de Mata Atlântica nos confins de Mogi das Cruzes divisa com Biritiba Ussú – no trajeto da atual Rodovia Mogi-Bertioga.

A quase totalidade das propriedades pertencia a japoneses, muitos que não entendiam o português e outros que por conveniência fingiam não entender por receio de que fosse fiscalização e não pesquisa. Aprendi algumas palavras chave: ocanê=dinheiro; nambo=quanto; nomes de frutas, das quais só lembro momô=pêssego; a contar pelo menos até mil; laços de parentesco; etc. Só sei que deu tudo certo.

Fiz um rápido curso de mecânica VW, recebi diploma e luvas brancas. Estaria completamente só em meio a grandes áreas desertas. Sabia trocar pneus, mexer no carburador, verificar o óleo, limpar as velas, o platinado outras coisas que não me lembro mais. De tudo que aprendi, só necessitei trocar pneus e esfriar a bomba de gasolina certa vez.

O que não me ensinaram, mas, me saí bem, foi quando em meio ao nada, atolei numa área de lama. Quanto mais tentava sair, mais afundava a roda traseira. A probabilidade de passar alguém por ali era quase nula. As propriedades eram auto suficientes e só de vez em quando alguém ia à cidade.

Como nos filmes, saí recolhendo tocos de árvores e pedras e fui enfiando embaixo da roda atolada e das outras. Andava alguns centímetros e transpunha os entulhos para a frente das rodas novamente. Gastei quase a tarde toda, fiquei coberta de lama, mas consegui. Daquele dia em diante, não passava nem em pingo d´água.

Certo dia ao embicar o carro em direção à porteira de uma propriedade bem cercada, fui recebida por um jovem japonês e sua espingarda de dois canos apontada para mim. Depois de muita explicação, fui atendida, eu do lado de fora e ele dentro. Preenchi os questionários sob a mira do olhar desconfiado do moço e de olho na espingarda que não sossegava em suas mãos.

De cachorros, nem sei quantas vezes corri, até aprender a buzinar e esperar dentro do carro que alguém aparecesse e prendesse as feras.

A colonização japonesa de Mogi se fez a partir de pequenas propriedades, de dois a quatro alqueires paulistas, o equivalente a 24.000 m2 cada. Eram granjas de criação de galinhas e frangos, para postura e abate, chácaras de frutas, em geral pêssego, caqui, poncã, goiaba, uva Itália e hortaliças: alface, batata e cenoura.

Nas minhas andanças encontrei uma família italiana. Moravam numa casa inacabada, guardada por belos pastores alemães, detentores de muitos prêmios como pude ver em uma estante. Plantavam verduras e legumes para o próprio consumo, criavam cabras para obter leite e carne, e, como atividade remunerada, criavam coelhos para vender recém nascidos, aos quilos, para experiências científicas no Instituto Biológico de São Paulo. Uma atividade interessante que merece um capítulo à parte, bem como a família, que sem o saber, naquele momento, o chefe era colega de trabalho do meu marido na Elgin Máquinas de Costura. Essa foi minha melhor entrevista durante o censo.

Visitei duas propriedades de chineses e numa delas passei uma saia justa, com um jovem chinês, que creio não era muito certo da cabeça, que ali, em meio às perguntas do formulário perguntou se eu queria casar com ele. Eu que já estava quase na porteira, me pus do lado de fora rapidamente e encerrei a entrevista inventando os dados que faltavam. Sinto muito!

Ganhei algum dinheiro, aprendi muita coisa, conheci pessoas bem diferentes, lavradores japoneses, lavradores nisseis com nível universitário, tanto homens quanto mulheres com as mãos rachadas e manchadas pelos agrotóxicos, artistas plásticos perdidos naquelas propriedades rurais produzindo maravilhosamente sua arte, ganhei frutos do trabalho daquela gente que durante o censo abasteceram minha casa, encantei-me com os grandes galpões de plástico transparente erguidos para o cultivo da rosa vermelha cabo longo, para exportação e surpreendi-me com o modo como são cultivados os champignons, com  expressiva produção em  Mogi,  em longos e estreitos barracões de pau a pique, cobertos de sapé com minúsculas janelas bloqueadas por retalhos de tecido, para cortar a luz, mas permitir a ventilação,  e lá dentro, prateleiras em toda a extensão cobertas de esterco de galinhas onde são injetados os esporos que dão origem à deliciosa iguaria. Ali, o calor e o cheiro eram insuportáveis.

O censo agropecuário do IBGE de 1970, levado a efeito em 1971 em Mogi das Cruzes, foi para mim, uma experiência enriquecedora e inesquecível, que trago na minha bagagem de paulistana urbanoide.

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