quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Complementando...



Como já mencionei, meu avô Luiz Walder era “construtor” , isto é, estava à frente da obra que tocava, como responsável por ela. Como também já citei, foi o encarregado da construção de duas igrejas, uma a Catedral Metodista de Piracicaba, onde se vê seu nome numa placa, ele esteve à frente das obras até a fase da construção da torre, em 1926, quando por algum motivo que desconhecemos, ele mudou-se com a família para São Paulo.





A segunda foi a igreja Metodista de Santo Amaro que ficava na Avenida Adolfo Pinheiro, onde trabalhou até se aposentar e onde seu corpo foi velado em 6 de maio de 1969. Essa igreja foi demolida e no terreno construída uma agência bancária.
Ambas eram de estilos bem parecidos e de tijolo à vista.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Um pouco de tempero nas agruras da vida

Há mais de 30 anos funciona aqui no bairro, um estabelecimento comercial que chamamos carinhosamente de “mercadinho do seu Gil”, uma espécie de mercearia das antigas, cujo nome oficial é “Empório das Nações”.


Fica na Rua da Prata e ali está porque é anterior à regulamentação do zoneamento.



Vende um pouco de tudo. Na realidade é o pronto socorro das donas de casa para o preparo de qualquer prato de última hora. Não vende carnes frescas, mas tem toda espécie de frios, embutidos, queijos, pães variados, hortifruti, enlatados, matinais e por aí vai. E tudo de excelente qualidade. Ah, tem uma espirradeira ao lado, que está sempre florida.


Mas o que eu gosto mesmo é de parar no corredor dos temperos e chás. O aroma chega à porta e é impossível sair dali sem levar diversos pacotinhos. É tudo comprado a granel e embalado pelos proprietários, tudo fresquinho. Hoje fui buscar cheiro verde e é claro, trouxe camomila e erva doce também.


Toda vez que entro no mercadinho do seu Gil, lembro de um dos meus filmes favoritos, “O tempero da Vida”, uma produção grega de 2003, que conta a história de um garoto grego que vive em Istambul, na Turquia e passa muito tempo com o avô, um filósofo culinário que o ensina que tanto a comida quanto a vida precisam de um pouco de sal para ganhar sabor. E, toda vez que assisto ao filme, sinto, o tempo todo, o aroma do corredor das especiarias do mercadinho do seu Gil.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O mês da Bíblia e o meu avô evangélico

Caminhamos para o final de mais um setembro - mês da Bíblia. Como cristã de nascimento e católica por opção meu contato com o livro sagrado de há muito se faz presente em minha vida.

Quando o assunto é Bíblia, imediatamente me vem à memória a figura de meu avô. Claro, calvo, com o pouco cabelo que lhe restou, grisalho, formando um semicírculo na base da cabeça. Aspecto austero como convém a um descendente de suíços. Terno azul marinho, camisa branca, gravata escura, sapatos pretos, tipo botas de cano curto, sempre engraxados por mim – o traje de ir ao culto. Ereto, cabeça erguida, Bíblia na mão, braço esticado rente ao corpo, lá ia ele, enquanto pode caminhar, à igreja Luterana que ficava na Rua Eleutério, aqui no Brooklin. Ele era metodista, mas pela dificuldade de locomoção freqüentava a igreja evangélica mais próxima.

Eu gostava muito dele, era a mais velha dos netos, e sei que ele tinha certa predileção por mim. Sempre o ajudava em seu trabalho na construção de nossa casa. Ele era pedreiro (construiu como encarregado de obras a Catedral Metodista de Piracicaba, que lá está até hoje e a igreja Metodista de Santo Amaro, na Avenida Adolfo Pinheiro – demolida para dar lugar a um banco). Eu ficava ali, a seu lado, peneirando areia, lavando azulejos, carregando tijolos ou recolhendo o excesso de reboco, durante horas, sem trocarmos uma palavra. “Durante o trabalho, não se conversa” – dizia ele. A presença daquele homem forte, justo, me bastava e fazia bem.

Quando estava em casa, depois da jornada de trabalho, sempre tinha a Bíblia à sua frente. Lia, fazia anotações à lápis nas margens. Nunca falamos de religião e bem pouco falamos de outros assuntos. Quando ele morreu, fui a última a vê-lo antes do desenlace. Já estava casada e tinha uma filha com 2 anos e meio, a primeira de seus 13 bisnetos e única que ele conheceu.

Passados algumas semanas de seu passamento, minha avó me chamou e entregou uma Bíblia. Uma das 10 que ele comprara pouco antes de perder a noção da realidade em decorrência da enfermidade. Comprara essas Bíblias, pois acreditava que deveria dar sua última contribuição em obediência ao preceito: “Ide por todo mundo e pregai o Evangelho...”. Recomendou que uma deveria ser minha, como lembrança sua.

Assim, em especial neste tempo em que se fala mais da Bíblia e em todas as vezes que olho à minha cabeceira, aquele exemplar das Escrituras Sagradas, editado em 1968, amarelado pelo tempo, com algumas páginas rasgadas pelo manuseio, lembro do meu avô, e vejo que a maior herança que ele nos deixou foi seu exemplo de vida, vivida à luz do Evangelho, sempre buscando seguir os passos d´Aquele que disse de Si mesmo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida...”.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Primavera sem Michel, que saudades!

Todos os anos, ao se aproximar o mês de setembro e o início de mais uma primavera, invariavelmente lembro-me de Michel, meu aluno da primeira série, em 1991, na Escola Estadual César Martinez, em Moema - SP.

Oito anos, mulato, magrinho, pequeno demais para a idade, esperto e agitado, lutava para alcançar seus objetivos, apesar das limitações que a vida lhe impunha. Morava em uma das muitas favelas da cidade. A mãe abandonou o lar e ele morava com o pai e uma irmã adolescente, que era quem comparecia às reuniões de pais e mestres, para saber se o Michel “aprontara alguma”. Não entendia que a reunião não era sinônimo de reclamação, mas diálogo construtivo entre família e escola.

Michel foi o único aluno meu nessa escola que um dia apareceu descalço para a aula. Senti-me ínfima naquele dia, vendo aqueles pezinhos cascudos de tanto andar descalço. Levei-o a uma loja e comprei-lhe um tênis. Acho que nunca em minha vida fiz alguém tão feliz como Michel naquele dia.

Naquele ano desenvolvemos um projeto integrando as diferentes disciplinas, que se compunha de um passeio de Maria Fumaça, uma visita ao MAC, ainda no Ibirapuera e uma atividade musical também no museu. Participavam todas as crianças do então, ciclo básico – umas 200 mais ou menos.

Fizemos o passeio de Maria Fumaça de Campinas à Jaguariúna, onde focamos os aspectos históricos e geográficos presentes na situação. Passo seguinte, uma visita ao MAC, onde entre outros, estava exposto o quadro “Estação de Estrada de ferro” de Tarsila do Amaral, que deveria ser descoberto pelas crianças e relacionado ao passeio. Diversas crianças logo estabeleceram a relação.

Passo seguinte, no atelier do museu sob a orientação de monitores, alunos da USP, as crianças criaram obras relacionadas ao tema. Uma delícia de oficina!

Todos cansados foram convidados a descansar em um palco na penumbra, deitados no chão e ouvindo: “Trenzinho Caipira” de Villa Lobos. Essa atividade era realizada com grupos de 40 crianças de cada vez. No final, a monitora pergunta o que eles haviam lembrado enquanto ouviam aquela música. Silêncio. De repente Michel se levanta e fala:

- Parecia a Maria Fumaça do passeio!

Ainda nesse mesmo ano, e aí entra a primavera, a escola realizaria a Festa da Primavera, com diversas atividades. Decidi montar um teatrinho com minha classe. Escolhi a história da “Coleção Disney”, A formiguinha e a neve. Escolhi por que é simples, trata no final da primavera e tem uma seqüência de falas fácil de decorar, pois a última palavra de cada frase chama o personagem seguinte. Além disso, dava bem para trabalhar a alfabetização, pois eram palavras simples: formiga, gato, rato, cão, sol, muro, homem, etc. Não pensei mais nada.

Michel quis ser a formiguinha. Ele já era uma formiguinha, só faltavam as antenas, que fiz de espiral de caderno com enormes bolas de isopor nas pontas. Fantasias prontas, cenário, etc., tudo confeccionado nas aulas, com as crianças, lá vamos nós ensaiando.

Não sei se conhecem a história, mas a formiga indo para o trabalho num dia de inverno fica com o pé preso por um floco de neve (olha o disparate, num país tropical, mas eu não pensei nisso, pensei com o coração, pois a história é um encanto e no final a primavera, enviada por Deus, salva a formiga) e vai morrer se alguém não soltá-la. Claro que se era inverno e tinha neve, a formiga estava agasalhada.

Pois bem, num belo dia de calor insuportável, depois de repassarmos o texto umas três vezes, me vira o Michel, todo suado e representando que está morrendo de frio, e pergunta:

- Professora, por que a senhora não fez este teatro quando estava frio de verdade? Eu não agüento mais esse calor!

Reconheci que ele estava com toda a razão, mas concordamos que deveríamos continuar e no dia 23 de setembro apresentamos sob um sol escaldante “A formiguinha e a neve”. Fomos muito aplaudidos e tenho certeza que Michel nunca irá se esquecer daquela primavera.

Flores do quintal fotografadas hoje. Na ordem: Capuchinha ou Chagas (Tropaeolum Majus); Rosa; Flor do Jambeiro.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Vida - Perdas e Ganhos

Nasci nesta cidade, quando ainda era da garoa, ruas de terra em Moema, sorveteria da esquina, depósito de bananas, caderneta pra comprar fiado na vendinha, consultas com o farmacêutico, chácara de verduras na Avenida Macuco, com criação de cabras, com direito a comer cocô de cabrita pensando que era azeitona (uma única vez – Arghhh!!).

Encarrapitada sobre o muro, onde um avô que não era avô me colocava, só para rir sacudindo a pança a me ver aos 3 anos, chamar o chacareiro vizinho, com o mais autêntico sotaque lusitano: “Óóó seu José? Bum diiia!”. E ouvir, lá de longe, o bom português responder, todo a sorrire: “Bum diiia, rica menina!”

Depois, Brooklin, Vila Carmen, panelinhas de barro, caça à rã em noite de luar, pesca de lambari no Córrego do Cordeiro, com a peneira do avô, esse verdadeiro.

Uma infância simples, feliz, onde cada dia terminava com gostinho de quero mais, ao mesmo tempo em que se esvaía e ficava para trás, como o romantismo da cidade-província.

“Crescer é preciso, sofrer não é preciso”. Assim, esta cidade que tanto me deu, foi também quem muito me tirou. Talvez por ciúme, por tê-la abandonado durante 15 longos anos. Mas o que são 15 anos para quem já era quatrocentona?


Quinze anos, nos quais cometi o pecado de ter dois filhos nascidos em outra cidade. Dois paulistanos, dois mogianos. Bem equilibrado. Tão equilibrado quanto o que ela me tirou: um paulistano e um mogiano.



Os que ficaram não moram mais aqui. Escolheram lugares mais humanos para criar os filhos. Lugares onde ainda se pode brincar na praça, andar de bicicleta no parque, com cuidados, mas não traumas. Entendi que fizeram bem suas escolhas e curto os lugares onde moram.





Os que me foram tirados, o foram com toda a violência que o momento que vivemos é capaz, como vemos todos os dias na imprensa sensacionalista.

O paulistano, 18 anos, se foi num típico dia de garoa intensa, próximo a um marco da cidade: o Estádio Cícero Pompeu de Toledo - o Morumbi, do não menos paulistano SP Futebol Clube. Um acidente!

O outro, o mogiano, 21 anos, que pelas minhas contas deveria nascer no dia do aniversário de SP, veio ao mundo em 20 de janeiro, na grande cidade, trilhou caminhos jamais imaginados por mim e foi executado num dia 15 de agosto, o dia em que mais odiei esta cidade.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Árvores floridas e lembranças










Este ano quase não fotografei árvores floridas. Cada vez que deparava-me com uma, lembrava da minha mãe. Ela me acompanhava nas andanças de carro, imersa em seu indecifrável mundo e quando chamava sua atenção para as árvores floridas, parece que ela emergia, os olhos brilhavam e exclamava com forte expressão de satisfação:

- Que maravilha!


Até há bem pouco tempo não conseguia encarar árvores floridas, mas percebi que estava melhorando, quando fotografei o ipê de Moema, por causa das "lamentações" (rsrsrs) da Marcia Ovando e na volta aproveitei para registrar a beleza do cedrinho da Laplace.


Hoje, não me contive diante de um ipê no jardim de uma casa de repouso próxima daqui.


Não satisfeita em fotografá-lo da rua, pedi para entrar e pegá-lo de outro ângulo, sem as grades.


E como não basta ser ipê é preciso participar, ele ainda sustenta em seu tronco uma toceira de orquídeas que já estão no fim da florada. Para fazer constar, eis as fotos que não me deixam mentir.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Um tour por Santana de Parnaíba


Em 1997 participei com a escola onde lecionava, de uma excursão aos caminhos dos Bandeirantes. Fomos a Itu, Porto Feliz e Santana de Parnaíba. Nesta última cidade pudemos constatar a lamentável deterioração em que se encontravam os imóveis históricos, já tombados.


Cine Teatro

Na ocasião um grupo de universitários fazia levantamentos para a restauração, para a qual a verba já estava aprovada só faltando os trâmites finais.


Em 2006, sem esperar, eis-me de volta àquela cidade, com meus pais e minha irmã Jussara. Foi agradavelmente surpreendente encontrar as edificações restauradas, bem cuidadas, a Casa da Cultura funcionando com exposições e programação de atividades por toda parte.


Casa da Cultura

Alem das casas restauradas com fidelidade de estilo, ainda fomos encantados com o capricho dos moradores, que enriquecem com toques criativos suas próprias casas.


“A Igreja Matriz, também conhecida como Paróquia de Sant'Ana, é considerada o marco mais importante do município.

De acordo com os registros históricos, em meados de 1560, foi erguida na cidade a primeira capela, dedicada a Santo Antônio. A pequena igreja era feita de pau-a-pique e coberta de folhagens.


No ano de 1580, a segunda capela, dedicada a Sant'Ana, foi construída.

Em 1610 uma terceira capela foi construída, também por André Fernandes, e, em 1625, foi elevada a Matriz, hoje conhecida como Paróquia de Sant'Ana.A edificação atual data de 1882, e seu estilo é eclético.


É tombada pelo CONDEPHAAT.” (Texto pescado na Internet)


Bem próxima de São Paulo e de fácil acesso pela Rodovia Castelo Branco, a cidade que faz parte do circuito bandeirista se constitui em agradável passeio para quem curte história, com direito a almoço nos singelos restaurantes locais.


Delegacia de Polícia

Saiba tudo sobre a cidade histórica de Santana de Parnaíba.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Sol, calor, Kibon e alegria, você vai ser feliz


“Tome um sorvete de massa na praça,
na corrocinha amarela.
E se quiser pode ser picolé,
na corrocinha amarela.
Sol, calor, Kibon e alegria,
você vai ser feliz.
Sinta o friozinho no nariz...”.


Alguém publicou no blog “Moema de tantas histórias”, da Marcia Ovando, um relato sobre a Gincana Kibon. Lembrei do jingle e viajei para um tempo em que a fábrica Kibon era ponto de referência aqui do Brooklin. Lembrei das visitas à mesma, convidada por funcionários de lá e o prazer de tomar um enorme Sunday, o meu sempre de chocolate, no amplo salão em meio aos tubos de refrigeração. Depois, como professora, as excursões com os alunos, que se lambuzavam com sorvetes e pirulitos e a alegria da criançada em poder desfrutar dessa oportunidade graciosamente.


Imagem do blog de Carlos Fatorelli

Hoje quando passo, nas minhas caminhadas, pela Rua Santo Arcádio, esquina com Roque Petroni Júnior, vendo naquele terreno os poucos entulhos que ainda restam da demolição da fábrica, sinto um aperto no peito com a constatação da descaracterização do bairro em nome do progresso e, se a Kibon me remete àquele friozinho gostoso aquecido pelo burburinho da criançada, ali, bem perto, quando passo pela Rua Barão do Triunfo, fecho os olhos e ainda sinto o cheiro quente do cacau exalado pela, não menos famosa Fábrica de Chocolates Lacta que vi, num intervalo de meio século, ser erguida do chão, a ele voltar como pó e dar lugar a luxuosos espigões. Mas sobre isso falo outra hora.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

“Domingo é dia, de pescaria ô... Lá vou eu de caniço e samburá.”

Para nós dia de pescaria é segunda-feira. Não pesco, não gosto de pescaria, não fico no pesqueiro, mas quase toda segunda-feira levanto cedo – meu pai já espera ansioso na mesa para o café – armo-me de boa vontade, rezo para o trânsito colaborar e lá vamos nós em direção a Itapecerica da Serra. Dezoito quilômetros cravados, de porta a porta.

Minha diversão é observar no trajeto as variações da paisagem urbana. Curto demais a miscelânea que é esta cidade. Aqui, menos com palavras e mais com imagens vou falar sobre essa experiência quase semanal, vivenciada em dois momentos: pela manhã quando levo o pescador e à tarde quando vou buscá-lo.


Vicente Rao, Roque Petroni Jr, Ponte do Morumbi, Marginal Pinheiros - lindamente ajardinada nesse trecho - até a saída para a João Dias. Ali, sigo à direita em direção a Itapecerica. Vila Andrade, Metrô Giovani Gronchi, Vila das Belezas, Jardim São Luís. Altos e baixos, conjuntos habitacionais populares, grande concentração demográfica.


Observo os cedrinhos, nesta época, floridos de um rosa pálido, que ameniza em alguns trechos, a feiúra do lugar.


Campo Limpo, amplo, moderno, que teve como seu bispo, Dom Emílio Pignoli, grande amigo em Mogi das Cruzes, sua primeira diocese. Metrô Capão Redondo. Uma infinidade de lombadas... Como esse lado da cidade cresceu!


Passando pelo campus da Universidade Adventista, ainda se vê ao fundo, a Indústria Superbom.


Chegamos ao Valo Velho (velho e feio!), último reduto paulistano antes de entrarmos em Itapecerica da Serra.


Daí pra frente, não é mais São Paulo, mas tenho que ir um pouco além e passo pela antiga porteira da Fazenda do Frigor Eder, cuja fábrica, na década de 60, localizava-se na Rua Izabel Schmidt, em Santo Amaro e empestava todo o bairro com o desagradável odor da produção das delícias ali fabricadas.


Finalmente o pesqueiro. Amplo espaço natural, mata, flores. Boa infra estrutura, proprietários senhor Paulo e dona Takako, uma simpatia!


Hoje foi mais um dia de aventura semanal, uma das grandes alegrias de meu pai aos seus 91 anos e 8 meses exatos nesta data.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

ANTES E DEPOIS

Hoje, por conta de uma notícia triste, mergulhei nas minhas próprias tristezas guardadas dentro do coração - como dizia uma sábia amiga: nossos problemas são problemas só nossos e a cara tem que estar sempre boa, ela pertence ao mundo – busquei este texto desabafo, escrito há muito e decidi compartilhá-lo, como forma de solidarizar-me com todos que choram suas perdas.

O corredor é estreito e mal iluminado. A atendente avisa:

- Tem muito sangue, tem certeza que quer olhar?

- Como saber se não olhar?

Ela abre uma porta pintada de branco, muito suja.

Apesar do frio daquela manhã de agosto, lá dentro é abafado. Mal consigo respirar.

A mulher, uma negra simpática e afável, com uma expressão lancinante de piedade noolhar, estende o braço pela porta aberta, tateia e acende uma lâmpada.

- Não acha melhor esperar alguém para acompanhá-la? Não vai se sentir mal?

- Pior é impossível. Preciso ter a certeza já!

Entramos. Ela na frente, eu atrás.

O cômodo mal iluminado, sem janelas, pelo menos se as tinha, não vi, não permite ver além do foco da lâmpada. O foco da lâmpada que ilumina um balcão de concreto aparente, creio eu, sobre o qual repousa um enorme volume preto.

Ela ainda me olha mais uma vez, com aquele olhar que dizia mais que mil palavras, dá um passo à frente, estende a mão sobre o volume e lentamente vai abrindo um zíper que parece não ter fim.

As batidas do meu coração me sufocam e ensurdeço. Meu corpo todo pulsa comandado por uma esperança que minhas entranhas avisam ser vã.

Ela dá um passo para trás para me ceder espaço.

- Pronto, pode olhar.

Não me lembro do que vi, pois como explicam os entendidos, o cérebro dispõe de mecanismos de defesa, que nos imunizam contra a realidade permitindo a preservação da sanidade. Não lembro, mas sei o que vi e por não acreditar, ainda peço para ver mais uma vez.

As pernas fraquejam. O cheiro de sangue quente me enjoa. Jamais vou esquecer aquele cheiro. Meu corpo estremece e a dor é tanta, que as carnes doem. Doem como se o sangue não conseguisse passar pelas veias e artérias.

- A senhora está passando mal? Quer alguma coisa, um café forte?

- Não, obrigada.

Respiro fundo, quase sem forças para sugar o ar, levanto a cabeça e com passos firmes vou até o posto policial e faço o que tem que ser feito: informo à autoridade de plantão, que aquele corpo perfurado de balas, ali recolhido como um entulho é meu filho, gerado e criado com extremo amor e arrancado de mim pela maldição das drogas.

Preencho o formulário sem sentir as mãos e saio sem rumo.

Tudo não leva mais de 15 ou 20 minutos, mas são os minutos que dividem minha existência em ANTES e DEPOIS.

Os sem-iPad


Autor:Luiz Felipe Pondé para Folha

Você sabia que agora existe em Londres o movimento dos sem-iPad? Coitadinhos deles. Quebram tudo porque a malvada sociedade do consumo os obriga a desejar iPads... No passado todo mundo era "obrigado" a desejar cavalos, tecidos de seda, especiarias, facas, tambores, ouro, mulheres...

Como ficam as pessoas que desejam, não têm, mas nem por isso saqueiam lojas, mas sim trabalham duro? Seriam estes uns idiotas por saberem que nem tudo que queremos podemos ter e que a vida sempre foi dura?

Esta questão é moral. Dizer que não é moral é não saber o que é moral, ou apenas oportunismo... moral. Resistir ao desejo é um problema de caráter. Um dos pecados do pensamento público hoje é não reconhecer o conceito de caráter.

Logo existirão os "sem-Ferrari", os "sem-Blackberry", os "sem-Prada" também? Que tal um "bolsa Blackberry"? Devemos criar um imposto para os "sem-Blackberry"?

Na Inglaterra, dizem, existem famílias que nunca trabalharam vivendo graças ao governo há gerações. É, tem gente que ainda não aprendeu que não existe almoço de graça.

Mas esse fenômeno de querer desculpar todo mundo da responsabilidade moral do que faz não é invenção de quem hoje justifica a violência em Londres clamando por justiça social na distribuição de iPads.

É conhecida a passagem na qual o "homem do subsolo" no livro "Memórias do Subsolo", de Dostoiévski, abre suas confissões dizendo que é um homem amargo. Em seguida, alude à teoria comum de que ele assim o seria por sofrer do fígado. Logo, a culpa por ele ser amargo seria do fígado.

Ele recusa tal desculpa para sua personalidade insuportável e prefere assumir que é mesmo um homem mau. Eis um homem de caráter, coisa rara hoje em dia.

Agora, todo mundo gosta de "algum fígado" (a sociedade de consumo, o patriarcalismo, a Apple) que justifique suas misérias morais.

O profeta russo percebeu que as ciências preparavam uma série de teorias que tirariam a responsabilidade do homem pelos seus atos.

A moda pegou nos jantares inteligentes e hoje temos vários tipos de "teorias do fígado" para justificar nossas misérias morais.

Uma delas é a teoria de que somos construídos socialmente.

Dito de outra forma: O "sujeito é um constructo social". Logo, quebro loja em Londres porque fui "construído" para enlouquecer se não tenho um iPad. Tadinho...

Tem gente por aí que tem verdadeiro orgasmo com essa bobagem.

Não resta dúvida de que há algo verdadeiro na ideia de que somos influenciados pelo meio em que vivemos.

Por exemplo, se você nasce numa favela, isso não vai passar "desapercebido" nos seus modos à mesa, no seu comportamento cotidiano e nas suas expectativas e possibilidades na vida.

Mas aí dizer que "o sujeito é um constructo social" é pura picaretagem intelectual. Ninguém consegue ou conseguirá provar isso nunca, mas quem precisa de "provas" quando o que está em jogo são as ciências humanas, que de "ciência" não têm nada.

Esse blábláblá não só exime o sujeito da responsabilidade moral, como abre a porta para todo tipo de "experimento" psicossocial, político ou justificativa moral, que, na realidade, serve pra qualquer um inventar todo tipo de conversa fiada em ciências humanas "práticas".

Por que tanta gente adora essa teoria? Suponho que, antes de tudo, o alivie de ser você e coloque a "culpa" de você ser você no pai, na mãe, na escola, na vizinha, na sociedade, no consumo, na igreja, no patriarcalismo, no machismo, na cama de casal, no iPad, no diabo a quatro. Menos em você.

Temos aí uma prova de que grande parte das ciências humanas não reconhece o conceito de caráter.

Moral é exatamente você resistir a impulsos que outras pessoas, sem caráter, não resistem. Já leu Aristóteles? Kant?

A "culpa" do que hoje acontece em Londres não é do consumo. Homens sempre quebram coisas de vez em quando e querem coisas sem esforço. As causas podem variar. Hoje em dia, seguramente, uma delas é que muita gente está acostumada a um Estado de bem estar social que os trata como bebês.

A preguiça, sim, é um traço universal do ser humano.