domingo, 15 de janeiro de 2012

Aprendendo a ensinar

Um antigo comercial dizia: " O mundo gira e a Luzitana roda". Acrescento: "e eu não saio do lugar..."

Em 1963, cursava o segundo ano do Curso Normal e era catequista na Paróquia do S C de Jesus, na Av Morumbi, Brooklin e foi ali que graças ao Pe. Bruno Turatto enfrentei minha primeira turma de alunos, no Curso de Alfabetização de Adultos, que funcionava numa sala da igreja.

O trabalho era voluntário, rendendo apenas pontos, o curso era mantido pelo governo do Estado, que fornecia o material didático e fazia a supervisão por meio da 8ª Delegacia de Ensino. Nossa supervisora na época era dona Zulmira e a delegacia localizava-se na atual av. Vereador José Diniz, próximo ao balão do bonde.

Assim, lá fui eu, com 17 anos, salto alto, roupa sóbria para parecer mais velha, brincar de professora diante de uma classe de 1ª série, com 30 alunos, onde o mais novo tinha 18 anos e o mais velho 44.

Lecionar sempre fora meu sonho e lecionar para aquela turma de adultos empenhados em traçar as primeiras letras apesar do cansaço da jornada trabalhada, era a realização do sonho.

Operários da construção civil, domésticas, vigias, ajudantes diversos, olhares atentos, sentados à minha frente, naquelas carteiras inadequadas, absorviam cada palavra, cada gesto meu, e a cada palavra decifrada, se emocionavam como crianças.

O mais velho, seu Alvin, um negro enorme, era motorista de caminhão em um depósito de materiais de construção, bem longe do Brooklin. Chegava sempre atrasado, meio alcoolizado e envergonhado. Um dia, após faltar uma semana, apareceu para se despedir. O caminhão morrera sobre a linha do trem e fora atropelado, só restando a cabine, por sorte, com ele dentro. Foi despedido e voltava para sua terra, Minas Gerais.

O mais novo, João, um jovem delinqüente, oriundo da favela do Buraco Quente tinha um caderno de desenho e rascunhava nele o tempo todo. Quando eu solicitava suas lições, me mostrava os desenhos pornográficos que fazia. Desenhava bem, um talento desperdiçado. Como todas as tentativas de fazê-lo entender que seu comportamento era inadequado foram em vão, acabou sendo expulso do curso pelo padre diretor.

Os outros alunos, com exceção do Carivaldo que até o fim só lia t–a = ta / t - u = tu / tatu, terminaram a Cartilha Caminho Suave e receberam o primeiro livro em outubro, com direito à festa, comes e bebes.

Foi uma experiência enriquecedora e determinante na minha vida, pois ao aprender alfabetizar com aquela turma de adultos, decidi tornar-me professora alfabetizadora e o fui até o fim de minha carreira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita. E por favor, deixe seu nome para que possa agradecer individualmente.