terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Ano Novo e o melhor pudim que já provei


Meus sogros: Marcílio (que não conheci, era já falecido) e Djanira
Os filhos Euclides, Alcina, Oscar, Aparecido, Sebastião, José (meu esposo) e Teresa  (a pequena de fita no cabelo)

Casamos em junho de 1965 e a partir de então cada um passou a ter duas famílias para compartilhar as festas. Assim, a partir de então, passávamos o Natal na casa dos meus pais, em São Paulo, e o Ano Novo na casa da minha sogra, dona Djanira, em Americana, tradição que se estendeu até seu falecimento.

Nos nossos primeiros réveillons por lá, minha cunhada mais nova era solteira e se encarregava das guloseimas da festa, enquanto minha sogra fazia os assados. As duas cozinhavam muito bem.

À meia noite, depois dos fogos, dos abraços e do champanhe, a família reunida ao redor da mesa saboreava todas aquelas delícias e eu não via a hora da sobremesa, para comer aquele maravilhoso pudim de leite condensado, todo furadinho, com calda e ameixas pretas em profusão que a Teresa fazia. Nunca consegui fazer um pudim igual àquele.

domingo, 28 de dezembro de 2014

Uma doce lembrança...

"Todo final de ano publico este texto, é quase uma necessidade de fixar aquele momento, de não deixá-lo se perder no labirinto da memória."

ANO VELHO, ANO NOVO ...

Quando eu era criança, a chegada do Ano Novo tinha um significado todo especial e místico para mim.

Lembro-me que no dia trinta e um de dezembro, logo ao levantar-me, minha mãe já falava que naquela noite veríamos o Ano Novo chegar e eu ficava o dia inteiro esperando ansiosamente pelo escurecer. E como demorava a chegar aquela noite!

À tardinha, íamos para casa de meus avós, na Rua Arapanés quase esquina com Macuco, em Moema, pois era lá que esperávamos o “Reveillon”.

Não se fazia festa. Reuníamo-nos na sala de jantar, comendo  petiscos e bebendo sucos e vinho. A conversa prolongava-se animada até à meia-noite.

Nessa hora, íamos todos para o portão. Meu pai colocava-me sentada sobre o pilar de sustentação do muro, e eu, curiosa, fixava meu olhar no breu da rua, a espera do momento em que o Ano Velho apareceria lá no topo da ladeira, carregando nas costas o Ano Novo, pois como diziam meus pais, ele era ainda muito novo e não sabia andar.

Quando os fogos começavam a pipocar nas alturas, lá vinham eles: um homem de meia idade, longas barbas grisalhas, carregando nos ombros um jovem, que animado agitava-se admirando os fogos.  

Na escuridão da noite, iluminada somente pelo eventual brilho dos fogos de artifício, o som dos apitos das fábricas e das pancadas das barras de ferro contra os postes, aquela imagem  tornava-se mágica.

Ao passar pelos raros portões, onde as famílias reunidas comemoravam a seu modo o momento, o Ano Novo e o Ano Velho acenavam cordialmente as mãos num cumprimento silencioso. Nesse momento, meu coração disparava. Aquele era o ápice da festa:  o Ano Velho se despedindo e apresentando-nos o  Ano Novo que chegava.

E eles nos saudavam! Éramos personagens atuantes daquele rito místico de passagem de ano! E eu, na inocência dos meus primeiros anos de vida, timidamente levantava um pouco o braço e temerosa diante da grandeza daquele mistério acenava levemente a mão, trêmula de emoção.

Em dezembro de 1949, mudamos de bairro. Nunca mais vi o Ano Velho e o Ano Novo. Anos mais tarde, diferentemente de mim, que guardava aquela imagem inexplicável, em minha memória, meus pais já haviam se esquecido do fato, quando em um final de ano, na hora dos fogos, perguntei-lhes do que se tratava essa lembrança difusa que povoava minha mente nessa data.

Aí então, pude entender que o Ano Velho era um senhor de meia idade que, na noite da passagem do ano, colocava sobre os ombros o irmão mais novo - o Ano Novo - um jovem paraplégico, ambos sapateiros do bairro, e saíam pelas ruas de Moema, para que ele pudesse participar das festividades daquela noite especial e assistir à queima de fogos.

Ainda hoje me pergunto de onde será que meus pais tiraram a idéia de me fazer acreditar naquela fantasia de fim de ano. Uma coisa porém é certa: todos os anos, ao se aproximar a meia noite do dia  trinta  e  um  de  dezembro, esteja  eu onde estiver, lembro-me do vulto simbiótico emoldurado pela luz dos fogos, sinto saudades da minha  inocência e me emociono com a certeza de ser eu a única pessoa no mundo a ter o privilégio da lembrança dessa fantasia particular.   

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Natal de novo



Mais um Natal se aproxima e me vejo cercada de um lado pelas maravilhas de preparar o nascimento do Menino nas celebrações litúrgicas, que nesta época do ano são muito fortes e cheias de emoção e de outro, pelos apelos consumistas dos comerciais de TV que fazem da grande festa um momento de comprar, comprar, criando expectativas frustradas nas crianças menos favorecidas e tristeza em seus responsáveis, porque é humanamente impossível atender aos desejos suscitados pela propaganda e seria uma insanidade satisfazê-los.

É Natal. Embora minhas memórias dos natais vividos na infância com meus pais e irmãs e com minha própria família, marido e filhos, sejam todas boas, alegres, festivas, hoje, pelos atropelos da vida, sinto-me deslocada nesta época. Alegro-me com as pessoas que me cercam, mas não faço parte do lufa-lufa do cotidiano. Não faço compras, não preparo mesas recheadas de iguarias supérfluas para mim. Ofereço como nos outros 364 dias do ano minha presença àqueles que delas necessitarem, preparo um prato especial para alguém especial, colaboro mais efetivamente com alguma ação em prol de crianças em situação especial, procuro estar perto dos que amo, embora nunca seja possível reunir todos. 

Não faço desta ocasião aquele momento depressivo por causa dos que já se foram. Não. Esses estão comigo todos os dias, com suas lembranças, sua falta, os fatos que marcaram suas presenças, os momentos alegres e os tristes, como é a vida. O que muda é o foco das recordações.

Agradeço a Deus por ter me dado pais que, apesar de sua condição humilde, nos proporcionaram natais maravilhosos, com a fantasia do Papai Noel, que nunca deixou de comparecer na noite santa e colocar presentes sob nossa árvore de cipreste, colhida pelo nosso pai e enfeitada com capricho pela nossa mãe. E é de cipreste, para mim, o cheiro do Natal.

Agradeço também por ter seguido esse exemplo e feito o mesmo, junto com meu marido, pelos meus filhos. E essa é a lembrança que levo esses dias: as crianças, pela manhã, ansiosas abrindo os presentes que o Papai Noel deixou.

domingo, 7 de dezembro de 2014

De repente, juntas novamente!



Naquele dia 19 de dezembro de 1964 encerrou-se um ciclo em minha vida e uma nova etapa começou. Recebia o diploma de professora normalista, fato que coroava o meu sonho de criança – ser professora. Acabava ali, minha vida de estudante (pelo menos era o que eu achava) e começava a vida como ela é, a busca por um lugar ao sol para lecionar, o que não era fácil, para uma recém formada.

Como não participei do passeio de encerramento de curso, nem do baile de formatura, naquele dia foi a última vez que estive com a maioria absoluta de colegas de classe. Vi uma ou outra logo depois da formatura e, como estive fora por longo tempo, perdi o contato com todas.

Ao participar da rede social pela internet, tive a grata surpresa de encontrar algumas e, especialmente a alegria de saber que como eu, elas também gostariam de se reencontrar por ocasião do aniversário de 50 anos de nossa formatura. 

Local, data e hora escolhidos, começamos a busca pelas colegas sumidas e no dia 6 de dezembro, conseguimos reunir algumas, para um  agradável encontro, com direito a almoço, onde nos “reconhecemos” e descobrimos um pouco das vidas umas das outras, numa partilha festiva e barulhenta que se estendeu tarde a dentro, esquecidas das horas e dos compromissos.

Abraços, risos, lágrimas, muita emoção,  vontade de repetir a dose, o que certamente faremos no início do novo ano e quem sabe, com a presença de outras mais.

Obrigada a todas pelo carinho.




















quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A estação

A escada rolante vomita gente em profusão na já abarrotada plataforma da estação Sé, do Metropolitano de São Paulo. As pessoas se comprimem, como se aquela composição que estava para chegar representasse a última esperança de cada um.

Nos rostos contraídos pelo frio da noite que lentamente envolve a cidade, adivinha-se a história de cada vida que ali deságua como a compor o delta de um caudaloso rio.

O cansaço e o desalento impressos nas faces sofridas do trabalhador, que depois de um longo e exaustivo dia de labuta, leva para o aconchego desconfortável do lar uma única certeza: mais uma vez enfrentará os que o aguardam de mãos quase vazias. Alguns, cheirando a álcool, expressam em seus semblantes maltratados, já terem extrapolado os limites da resistência.

Jovens estudantes, retornando ou se dirigindo às escolas. Uns bem apessoados e confiantes, sorrindo com suas belas jaquetas e seus tênis de marca; outros, já marcados pela curta e sofrida existência, tentando manter viva a chama da esperança que um diploma pode significar. Todos igualmente com um futuro a construir.

Alguns executivos, raros, tensos, engravatados e empacotados em seus ternos, aguardam o trem com ar de superioridade, como se não fizessem parte daquele contexto. Simplesmente estão não são personagens desse cenário.

Correndo aqui e ali, algumas crianças de rua, poucas, nessa bem vigiada estação, mas que não escapa aos furtos de oportunidade. Indesejáveis, sujas e esfarrapadas, brincam de brincar, com sacos plásticos lambuzadas de cola de sapateiro bem seguros nas mãos. Chagas abertas da sociedade.

A composição chega e como autômatos, todos seguem num sentido único, com movimentos uniformes e coordenados. São bailarinos de uma coreografia urbana, que dura alguns segundos.  Ao abrirem-se as portas já não são mais pessoas que a compõem, mas uma manada desordenada que se comprime, acotovela-se, atropela-se. Irracionais, aglutinados, solitários na mesquinhez ávida da busca do melhor lugar.


O trem parte carregando em seu ventre o vômito das escadas rolantes que será distribuído pelos vários pontos da cidade deixando atrás de si a certeza de que, para muitos, a vida nada mais é do que um imenso e triste trem, onde todos e cada um buscam seu espaço, juntos, mas não solitários, atropelando-se uns aos outros, e por mais que tentem e lutem, muitas vezes não chegam a lugar nenhum a não ser a Estação Morte.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Enfim sós!

Fazia tempo, muito tempo, talvez uns seis anos ou mais. 

Não que fosse uma paixão, seria algo assim como saudades de um amor antigo, vivido numa época de inocente felicidade. Só sei que precisava revê-lo. Precisava me dar a oportunidade de ser eu mesma a seu lado. 

Naquela mesa, frente a frente, me redescobria como pessoa, indivíduo liberto da relação siamesa que tenho vivido nos últimos tempos. Sim, era eu! Eu mesma capaz de tomar a decisão de estar ali e fazer uma escolha. 

À medida que interagíamos, as sensações faziam aflorar emoções adormecidas, gratas lembranças, uma viagem no tempo.O dia estava glorioso, quente, ensolarado, convidativo para uma esticada naquele momento, ir além. 

Da janela a vista não era das mais bonitas. Onde encontrar uma bela vista nesta cidade caótica, onde para qualquer lado que se olhe só se vê carros, carros e carros. Mas isso não importava. Nós estávamos juntos e o momento era perfeito, revigorante. 

O tempo corria implacável e a hora de voltar ao mundo real já se deparava à minha frente. Aos poucos ele desaparecia diante dos meus olhos como que diluído por uma voracidade faminta e insaciável. Seus atributos, um a um ainda se faziam presentes e despertavam meus sentidos, mas era chegada a hora da despedida.

Assim, depois de saborear um refrescante sorvete de casquinha, saí levando junto ao coração, ou quase, um apetitoso Big Mac.

domingo, 9 de novembro de 2014

Deu bode!

Lembrando passagens dos tempos vividos em Mogi das Cruzes...


EE Professora Sylvia Mafra Machado
Alto do Ipiranga - Mogi das Cruzes - SP

Rosário era um menino tranqüilo. Contava doze anos e sentia-se constrangido ao revelar seu nome. Promessa da avó. Avó que não era avó, pois o recebera de um freqüentador assíduo de seu bar, logo depois que abandonado pela mulher não sabia o que fazer com um filho ainda de colo. Deixou para que ela tomasse conta até resolver o que fazer da vida e nunca voltou.

Já em idade avançada, criou o menino como neto e como ele estivesse gravemente doente ao chegar, prometeu à santa de sua devoção, Nossa Senhora do Rosário, que lhe daria esse nome caso sobrevivesse. Não só sobreviveu, como cresceu forte e de boa índole, sendo para os avós, o consolo dos dias de sua velhice.

Frequentava a minha classe da quarta série quando o conheci. Esforçava-se muito, mas apesar disso não conseguia atingir um bom aproveitamento nas aulas de português. Havia algo errado com ele. Raciocinava direitinho, resolvia problemas, escrevia quase perfeitamente as palavras ditadas, mas não sabia copiar corretamente do quadro negro. Uma situação não catalogada nos manuais de didática. 

Não foi difícil concluir que ele não enxergava bem. 

Consegui com a direção da escola que fosse encaminhado ao setor de oftalmologia da Santa Casa e ali o enviaram para um hospital mais qualificado onde foi diagnosticado um mal irreversível que levava à cegueira progressiva. Urgente se fazia encaminhá-lo para continuar os estudos, numa instituição especializada que o qualificasse para enfrentar a inevitável situação de portador de deficiência visual.

Ao terminar o período letivo, no dia da festa de encerramento das aulas e de sua despedida daquela escola, lá vem o Rosário com um presente para mim. Dentro do bonito pacote encontro o couro curtido, de um animal que em princípio não identifiquei, mas que ele logo foi explicando se tratar de um bode. Do seu bode de estimação que morrera atropelado em frente ao bar dos avós e cujo couro mandaram curtir e guardara de lembrança. Falava e mostrava um rasgo, a causa mortis do animal.

Tentei recusar aquele mimo tão precioso, mas não teve jeito. 

Rosário foi para uma escola especializada, capaz de capacitá-lo a sobreviver apesar da deficiência, e, nos anos seguintes aquele tapete de couro de bode decorou meu quarto até que se desintegrou pela idade. Com pesar me desfiz do que sobrou dele, mas jamais esquecerei aquele aluno, um menino especial desde as origens.


sábado, 8 de novembro de 2014

O sabor das lembranças

Hoje me deu uma vontade louca de comer Mantecal. Não sei se foi porque sonhei com a minha mãe na cozinha mexendo nas panelas ou se bateu saudades da avó Asunción, que falava uma mistura de português com castelhano, muito engraçada, só sei que comprei os ingredientes e botei a mão na massa.

É um dos doces mais simples de fazer, doce de pobre, como dizia a minha mãe, pois segundo ela, era o único doce de que se lembrava da infância vivida nas fazendas de café, em Itápolis, interior de São Paulo, onde seus pais, imigrantes espanhóis eram colonos. Ela falava também do pão, este de sal, caseiro feito pela mãe, no forno de barro, primeira coisa a ser providenciada quando chegavam a uma nova moradia.

Mantecal, doce feito com “manteca”, ou seja, manteiga, gordura, nata, segundo o dicionário espanhol. Mas em nossa família ele sempre foi feito com gordura suína, a original e é assim que eu gosto.  É assim que ele tem gosto de infância pra mim. E sem enfeites por cima, estes lhe alteram o sabor. Gosto deles simples.

Enquanto fazia, lembrava-me da minha avó. Não tivemos muito convívio, ela e meu pai não se davam bem, mas de vez em quando nós nos visitávamos. Não parecia uma avó segundo os padrões de então. Era muito ativa, trabalhou fora até idade avançada e depois sempre estava na casa de um ou de outro ajudando nas dificuldades do dia a dia. Gostava de “bater pernas” como dizia.

Viúva há muito tempo, casou-se em segundas núpcias com um senhor italiano, quieto, retraído e a mim me parecia que nada tinham em comum. Impressões de criança...

Viúva novamente voltou a morar com o único filho e aos 75 anos faleceu devido à hemorragia de uma úlcera, ao ser atendida no pronto socorro. Foi em 1975, eu morava em Mogi das Cruzes, tinha três filhos, acabara de me mudar para uma nova casa onde muita água rolaria por debaixo da ponte, depois, porque naquele momento, era agosto e o poço estava seco.

Lembranças em dia, agora é matar a vontade e saborear os Mantecais com um bom chá de hortelã.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A ÚLTIMA VIAGEM

Naquela manhã de segunda-feira, Marco Aurélio acordou muito cedo, antes do alarme do rádio-relógio disparar. Sentou-se na cama, espreguiçou-se demoradamente, sentindo cada molécula de seu corpo dolorido despertar. Achou-se leve, estranhamente leve. 

Vestiu-se com esmero. Seria um dia muito especial. Na cozinha, enquanto saboreava o delicioso café que a mãe deixara preparado, estranhou o silêncio da empregada. Sentada a um canto, cabisbaixa, parecia não notar sua presença. Nem respondeu ao bom dia amistoso que lhe dirigiu. Como nos últimos dias atormentara a pobre, com seu comportamento imprevisível e suas explosões de mau humor, entendeu seu silêncio como uma atitude defensiva. Afinal, ela devia estar com receio até de olhar para ele. 

Antes de sair, olhou-se mais uma vez no grande espelho da sala de jantar, analisando cada detalhe de sua aparência. Mesmo magro e abatido, pelo excessivo consumo de drogas e bebidas, ainda era uma bela figura de adolescente, no auge de seus dezoito anos. “- Um partidão!”- como diria a avó coruja. 

Saiu de casa pensando em como essa vaga de operador de micro, que o pai conseguira na empresa de um amigo, poderia ser o primeiro passo para a realização de um antigo sonho: trabalhar com computação gráfica numa grande agência de publicidade. 

No caminho refletia sobre sua vida. Mudara tanto nas últimas semanas! Voltara a estudar, conhecera a Mara, uma “verdadeira princesa”, e hoje começaria a trabalhar, fazendo o que mais gostava. Já pensava até em pedir ajuda aos pais, para quiçá, fazer aquele tratamento que eles tantas vezes sugeriram... 

Uma coisa era certa: deixaria os amigos das farras. A última noite havia sido terrível! Bebidas, muito “fumo” e alguns “tiros”. Enlouquecera. Em sua mente, a lembrança dos móveis movendo-se pelo quarto e da sujeira espalhada pelo chão andando de um lado para outro misturava-se com os risos frenéticos dos amigos - amigos?! - que se distanciavam em câmera lenta, assustados, enquanto lhes estendia os braços, apavorado implorando ajuda. Depois... um vazio imenso! 

Caminhava tão absorto em seus pensamentos, que se surpreendeu ao chegar ao seu destino, tão depressa e sem cansaço. Estranhou... Em lugar de um edifício de escritórios, encontrou apenas um grande portão de ferro, fechado. Conferiu o número. Estava certo. Procurou uma campaínha, um interfone. Nada. 

Apesar da névoa daquela manhã de inverno, pôde perceber por trás daquelas grades, algumas pessoas que caminhavam lentamente, cabisbaixas. Talvez chorassem. Pensou até ver entre os primeiros do cortejo, seu pai, sua mãe, parentes, amigos (os verdadeiros) que há muito não via. Tentou entrar, mas o portão não se abriu. Chamou pelas pessoas lá dentro, ninguém o atendeu. 

Confuso, voltou-se para procurar um telefone público e, quem sabe, ligar para o escritório do pai e esclarecer aquela situação, quando viu à sua frente, em uma banca de jornais, estampada na primeira página de um jornal sensacionalista, sua foto e uma manchete em letras garrafais:

“MÃE ENCONTRA O FILHO MORTO, AO ABRIR O QUARTO, DOMINGO DE MANHÔ.

A Galeria Prestes Maia


Vale do Anhangabaú 1970

A Galeria Prestes Maia é uma passagem subterrânea que liga o Vale do Anhangabaú à Praça do Patriarca e a memória que tenho é dos tempos que passava por lá, antes das reformas dos anos 80. 

Um caminho estratégico para quem ia da zona sul de São Paulo para o centro.   Os pontos dos ônibus ficavam no Vale, acompanhando a lateral da Praça Ramos de Azevedo de onde se avistava o Teatro Municipal, a Agência Central dos Correios e o Viaduto Santa Efigênia.  Boa parte desses pontos estavam sob o Viaduto do Chá.


A Praça do Patriarca, com a tradicional igreja de Santo Antônio, dava acesso às principais ruas do centro, onde se encontrava praticamente de tudo que precisávamos. E na época não existia aquele portal que nada tem a ver com o estilo dos prédios daquela área.


Praça do Patriarca - foto de Benedito J Duarte

Geralmente ia ao centro uma vez por mês para comprar o passe escolar. A agência da CMTC ficava dentro da Galeria Prestes Maia. Nessas ocasiões aproveitava para visitar as exposições itinerantes que ali eram montadas.  Raros momentos de cultura e lazer. Era também ali, que acontecia periodicamente a feira de ciências com exposição de trabalhos de alunos das escolas estaduais. Por dois anos me orgulhei de ver ali expostos desenhos feitos por mim da anatomia de algum animal. Gostava muito de desenhar minuciosamente o interior dos bichos, que encontrava em livros da biblioteca da escola, ampliava e reproduzia sobre cartolina nas cores originais, causando admiração nos meus mestres e colegas.

Saindo da Galeria Prestes Maia numa tarde em que fui comprar o passe escolar, aguardava na calçada para atravessar as pistas sob o viaduto, quando ouço um baque seco, como um coco se quebrando. Olho para o lado e, a poucos metros de onde me encontrava, um homem, com a cabeça achatada, se contorcia agonizando.  Havia se jogado do Viaduto do Chá. Um suicida.

Eu devia ter meus 14 ou 15 anos, antes disso não ia só ao centro, mas só me lembro de ter corrido para longe dali, procurado outro lugar para atravessar e que já dentro do ônibus na volta para casa, tremia muito.

Foi ali, também, na Galeria Prestes Maia, que em 1964, soube que um golpe militar havia acontecido durante à noite, ao indagar sobre a presença de tanques fechando ostensivamente aquela passagem e me impedindo de comprar os passes.



Entrada da Galeria Prestes Maia no Vale do Anhangabaú 

terça-feira, 28 de outubro de 2014

28 de outubro – Dia de São Judas Tadeu


A data me remete à década de 50, não sei ao certo o ano, sei que algumas crianças no bairro ficaram com hepatite, entre elas, minha irmã e o filho caçula da família vizinha e amiga. Ficaram abatidos e até com a parte branca dos olhos, amarela.

Minha irmã recuperou-se rápido, não sei qual o tratamento, só lembro que ela devia fazer repouso. 

Toninho, o menino vizinho, teve complicações sérias, foi hospitalizado e um dia, soubemos que estava muito mal, com o fígado aumentado (lembro-me dessas palavras que me impressionaram) e que segundo os médicos não sobreviveria àquela noite. A tristeza era grande, os adultos choravam e nós crianças estávamos impressionadas com as conversas veladas. Meu pai foi para o hospital, para se solidarizar com os vizinhos, naquele momento de dor. 

A família era muito devota de São Judas Tadeu e foi naqueles dias que pela primeira vez ouvi sobre o santo, em fazer promessas e acender velas em sua intenção. Não tive dúvidas, fiz minha primeira promessa: se o Toninho sobrevivesse, compraria uma vela do tamanho dele e acenderia na igreja de São Judas. 

No hospital, dona Meireles, a mãe do menino , como todos os parentes próximo, também fez a sua promessa e na manhã seguinte, ao retornar para casa, meu pai disse que inexplicavelmente, na madrugada, quando todos esperavam o desfecho fatal, Toninho apresentou uma melhora e a febre cedeu para alívio de todos. 

De volta para casa, continuou o com o repouso e o tratamento por longo período de tempo. Muitas vezes acompanhei minha mãe, quando ia à casa dele para aplicar injeção. E, além de cumprir a minha promessa, fiz parte da promessa de dona Meireles, que era realizar a Primeira Comunhão do Toninho, na Igreja de São Judas e, como era fora de época, fui encarregada de ministrar-lhe as aulas de catecismo e acompanhá-lo naquele dia de muita alegria para todos.

Desde então, neste dia, lembro desse fato e agradeço ao bom santo, que foi apóstolo de Jesus, aquela graça e outras tantas alcançadas.

domingo, 19 de outubro de 2014

Obsessão por janelas e portas abertas

Janelas obstruídas pelo medo, como nossas vidas.






Uma casa, uma janela, um gato chamado Chico...



De dentro da Igreja Matriz de Santana - Itanhaém



Na antiga Câmara Municipal e Cadeia de Itanhaém


Ambas no interior do Convento N Sra da Conceição 

 Itanhaém



quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Apego... Desapego...

De repente, os anos passam e você descobre que para viver não necessita – como os índios – mais do que vinte utensílios e o pior, ao cuidar do espólio doméstico e pessoal dos que se foram, você se dá conta do desgaste emocional e do trabalho que dá olhar item por item e decidir qual será o fim de cada um.

Tendo feito essa travessia por quatro vezes, espero sinceramente não ocupar aqueles que se incumbirão de mim no pós mortem, mais do que naquilo que se fizer necessário burocraticamente, mesmo porque, meu pensar é que para depois de mortos, devemos nos esforçar em deixar apenas boas recordações e quem sabe, por um breve período de tempo, um pouco de saudade. Mas a questão aqui é outra. 

Para mim, existe uma escala de apego às coisas de quem se foi. Aos poucos me livro delas, mas tem aquelas, das quais parece que jamais conseguirei me separar, mas o dia delas também chega e outras que guardarei para sempre. 

Com relação aos pertences dos meus pais já progredi bastante nos caminhos do desapego e, interessante é que ao mexer em suas coisas, acho caixinhas, potinhos, envelopes e gavetinhas, com quinquilharias, lembrancinhas e objetos de uso diário que de repente adquirem significados e, embora completamente inúteis, se estiveram por ali durante tantos anos, sinto que preciso preservá-los. 

Foi então que, organizando gavetas, caixinhas e potinhos, lembrei-me de um trabalho que vi certa vez e acho que encontrei a solução estética para os objetos do meu apego irracional. Reunidos num só lugar, devidamente tratados, serão “eternos enquanto eu dure”.

Denominei a primeira obra de “Lembranças” e à sua visão remeto-me a momentos daqueles que ela representa.

domingo, 5 de outubro de 2014

Uma cidade com memória



Quando meus filhos eram pequenos, às vezes, nas férias, íamos à praia, geralmente no litoral sul de São Paulo: Solemar, Mongaguá e Itanhaém, onde não retornava há mais de vinte anos. 




Como sou sócia da AFPESP, me propus a conhecer as colônias de férias que ela disponibiliza e no início do mês de setembro estive na unidade de Itanhaém, que já foi colônia de férias do extinto banco Mercantil, ficou abandonada por várias décadas, foi comprada e reformada pela Associação dos Funcionários Públicos e inaugurada há apenas dois anos. 

Tudo novo, bem cuidado. Atendimento de primeira. 


Foi estranho percorrer aqueles caminhos conhecidos e que eu acreditava estivessem mudados, deteriorados pelo progresso. Não. Itanhaém, onde a verticalização é proibida, o trânsito controlado pelo bom senso, sem nenhum semáforo, permanece uma cidade encantadora, preservada, com seu centro histórico muito bem cuidado e as praias limpas. Uma cidade com memória. 













Revisitei todos os lugares por onde passei com meus filhos e um pouco mais. Até achei a Sorveteria Samambaia, aonde íamos nos finais de tarde e meu pai, como ele mesmo dizia, completava uma caipirinha, tomando sorvete de limão após o aperitivo de pinga.