sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Por falar em levar vantagem, me lembrei...

Fevereiro de 1974. Três filhos pequenos, uma casa num conjunto residencial do BNH no  bairro da Vila Lavínia, Mogi das Cruzes, sem o carro, vendido para pagar dívidas.


A filha mais velha, 7 anos e 4 meses, convalescia de uma pneumonia em casa e o caçula, 1 ano e 5 meses, após diversas complicações de saúde, decorrentes de uma mononucleose, adquirida  por volta dos  40 dias de vida, jazia num leito hospitalar sem perspectivas de melhora.  Minha vida era um ir e vir insano.

Por esses dias, despencou um temporal arrasador e ao anoitecer, consegui emprestado o carro de uma amiga para ir até em casa, dar uma geral e voltar ao hospital.

O caminho estava um caos, sem iluminação, a avenida de acesso ao bairro com mais de um palmo de lama que desceu das partes altas. De repente, na minha frente um veículo vindo do sentido oposto, atropela um vulto que saindo de uma travessa adentra a rua sem parar. Tudo muito rápido e confuso. O motorista freou, mas o carro deslizou no barro e passou por cima do cidadão, cujo corpo agora jazia ao lado meu carro, semi coberto de lama e sangue. Por questão de segundos teria sido eu a atropelar aquele homem. Alguns carros pararam para ajudar. Segui meu caminho com as pernas bambas.

Bem mais tarde, de volta ao hospital, notei a movimentação de policiais e soube que a vítima do atropelamento estava internada ali. Soube também pelos enfermeiros que era um senhor dos seus 50 e poucos anos, alcoolizado, que já estava cuidado e internado e que o motorista permanecia ali, aflito e solícito.

Na manhã seguinte, um sábado, fui liberada do hospital para ir pra casa cuidar das outras crianças. Meu marido ficaria ali. Para sair, devia passar em frente ao quarto do atropelado. Parei na porta pensando em entrar e ter notícias de seu estado, mas devido ao alvoroço, fiquei onde estava tentando entender aquela gritaria.

No leito, ele gemia alto, enfaixado dos pés à cabeça, semi sentado, com os braços e uma das pernas pendendo de cordões presos a uma armação de metal, parecia uma múmia-marionete. De um lado da cama, aquela que logo entendi ser a esposa, esbravejava e gritava para não deixar dúvidas, com o rapaz, que logo reconheci ser o motorista, que estava do outro lado da cama, exigindo indenização pela perda do marido, o mantenedor da família. Ele deveria pagar uma boa soma, pois ela estava desamparada e a culpa era dele.

O rapaz, que me pareceu do bem e não teve culpa no que aconteceu, eu vi, ouvia, tentava acalmar a mulher, dizendo que não fugiria às suas responsabilidades. Mas ela queria saber quanto? Quanto dinheiro ele lhe daria, era pobre, agora  teria  despesas com enterro, etc.

Fiz um sinal ao rapaz, me identifiquei e perguntei se tinha alguma testemunha. Sim, outros viram o que eu vi. Ele me agradeceu e fui para casa pensando naquela situação inusitada, daquela mulher dando o marido como morto e só pensando em levar vantagem.


Tempos depois, voltando ao hospital para uma consulta, soube que aquele senhor se recuperara completamente, já estava de volta ao trabalho. Enfim, tudo acabou bem.

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