quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

ANO VELHO, ANO NOVO...

Quando morávamos em Moema, a chegada do Ano Novo tinha um significado todo especial e místico para mim.

1947
Minha mãe e eu no portão da casa dos meus avós na Alameda dos Arapanés

Lembro-me que no dia trinta e um de dezembro, logo ao levantar-me, minha mãe já falava que naquela noite veríamos o Ano Novo chegar e eu ficava o dia inteiro esperando ansiosamente pelo escurecer. E como demorava a chegar aquela noite!

À tardinha, íamos para casa de meus avós, na Rua Arapanés quase esquina com Macuco, era lá que esperávamos o “Reveillon”.

Não se fazia festa. Reuníamo-nos na sala de jantar, conversando e comendo petiscos até à meia-noite.

Nessa hora, íamos todos para o portão. Meu pai colocava-me sentada sobre o pilar de sustentação do muro, e eu, curiosa, fixava meu olhar no breu da rua, a espera do momento em que o Ano Velho apareceria lá no topo da ladeira, carregando nas costas o Ano Novo, pois como diziam meus pais, ele era ainda muito novo e não sabia andar.


1949
Sentada no pilar do portão
Alameda dos Arapanés

Quando os fogos começavam a pipocar nas alturas, lá vinham eles: um homem de meia idade, longas barbas grisalhas, carregando nos ombros um jovem, que animado agitava-se admirando os fogos.

Na escuridão da noite, iluminada somente pelo eventual brilho dos fogos de artifício, o som dos apitos das fábricas e das pancadas das barras de ferro contra os postes, aquela imagem tornava-se mágica.

Ao passar pelos raros portões, onde as famílias reunidas comemoravam a seu modo o momento, o Ano Novo e o Ano Velho acenavam cordialmente as mãos num cumprimento silencioso. Nesse momento, meu coração disparava. Aquele era o ápice da festa: o Ano Velho se despedindo e apresentando-nos o Ano Novo que chegava.

E eles nos saudavam! Éramos personagens atuantes daquele rito místico de passagem de ano! E eu, na inocência dos meus primeiros anos de vida, timidamente levantava um pouco o braço e temerosa diante da grandeza daquele mistério acenava levemente a mão, trêmula de emoção.

Em dezembro de 1949, mudamos de bairro. Nunca mais vi o Ano Velho e o Ano Novo. Anos mais tarde, diferentemente de mim, que guardava aquela imagem inexplicável, em minha memória, meus pais já haviam se esquecido do fato, quando em um final de ano, na hora dos fogos, perguntei-lhes do que se tratava essa lembrança difusa que povoava minha mente nessa data.

Aí então, pude entender que o Ano Velho era um senhor de meia idade que, na noite da passagem do ano, colocava sobre os ombros o irmão mais novo - o Ano Novo - um jovem paraplégico, ambos sapateiros do bairro, e saíam pelas ruas de Moema, para que ele pudesse participar das festividades daquela noite especial e assistir à queima de fogos.

Ainda hoje me pergunto de onde meus pais tiraram a idéia de me fazer acreditar naquela fantasia de fim de ano. Uma coisa porém é certa: todos os anos, ao se aproximar a meia noite do dia trinta e um de dezembro, esteja eu onde estiver, lembro-me do vulto simbiótico emoldurado pela luz dos fogos, sinto saudades da minha inocência e me emociono com a certeza de ser eu a única pessoa no mundo a ter o privilégio da lembrança dessa fantasia particular.

4 comentários:

  1. Pedro, obrigada pelo carinho de visitar meu modesto blog. Obrigada pelo comentário. Abraço.

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  2. Fantástico e emocionante! Parabéns!
    Ainda me pergunto porque você não escreve um livro de memórias, pois você tem a magia de prender o leitor do início ao fim.
    Abraço!
    Marco de Mojana

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  3. Marco, obrigada por visitar o blog e pelo carinho do comentário. Tenho um esboço de livro de memórias e de dois livros infantis. Falta o chegar o momento certo para finalizá-los. Espero que esse momento chegue antes da morte.rsrsrs. Abraço.

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