Então, um belo dia, a chuva e o vento derrubam aquele
mamoeiro que eu tanto amava. Logo agora
que despontavam cinco lindos mamõezinhos.
À arvore caída devo dar o devido fim.
Sem grandes pompas, num saco de lixo mesmo, procedo ao funeral.
Do chão, os cinco órfãos me olham, olham... Começo a lembrar
da minha avó, do meu pai... Pensando bem, não vou desperdiçá-los! Farei doce de
mamão verde. Eles gostavam tanto...
Lavo, higienizo, ralo, ralo, ralo, até não sentir mais as
mãos. Agora é só deixar em água corrente para tirar o amargo. Afinal, com essa crise hídrica, o que são uns
mil litros de água? É preciso saber preparar o mamão para tirar esse amarguinho
danado. Ah, precisa também coar e
espremer num pano, à moda antiga.
Tudo posto, faço a calda: açúcar, cravo e canela em pau.
Cheira na casa inteira. Coloco dentro o mamão ralado, cozinho bem em fogo
brando. Eis finalmente o doce pronto.
Reflexões culinárias
Doce de mamão é a mais cruel constatação da escravidão e
submissão da mulher aos maus tratos do trabalho doméstico desnecessário para
agradar a família. O efeito é meramente psicológico. Se você misturar água, açúcar,
cravo, canela em pau e ferver, terá exatamente o mesmo sabor. Mamão verde
lavado à exaustão não tem gosto nenhum, é mera palha que absorve a calda. Mas
fala a verdade: é muito bom!