sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A ÚLTIMA VIAGEM

Naquela manhã de segunda-feira, Marco Aurélio acordou muito cedo, antes do alarme do rádio-relógio disparar. Sentou-se na cama, espreguiçou-se demoradamente, sentindo cada molécula de seu corpo dolorido despertar. Achou-se leve, estranhamente leve. 

Vestiu-se com esmero. Seria um dia muito especial. Na cozinha, enquanto saboreava o delicioso café que a mãe deixara preparado, estranhou o silêncio da empregada. Sentada a um canto, cabisbaixa, parecia não notar sua presença. Nem respondeu ao bom dia amistoso que lhe dirigiu. Como nos últimos dias atormentara a pobre, com seu comportamento imprevisível e suas explosões de mau humor, entendeu seu silêncio como uma atitude defensiva. Afinal, ela devia estar com receio até de olhar para ele. 

Antes de sair, olhou-se mais uma vez no grande espelho da sala de jantar, analisando cada detalhe de sua aparência. Mesmo magro e abatido, pelo excessivo consumo de drogas e bebidas, ainda era uma bela figura de adolescente, no auge de seus dezoito anos. “- Um partidão!”- como diria a avó coruja. 

Saiu de casa pensando em como essa vaga de operador de micro, que o pai conseguira na empresa de um amigo, poderia ser o primeiro passo para a realização de um antigo sonho: trabalhar com computação gráfica numa grande agência de publicidade. 

No caminho refletia sobre sua vida. Mudara tanto nas últimas semanas! Voltara a estudar, conhecera a Mara, uma “verdadeira princesa”, e hoje começaria a trabalhar, fazendo o que mais gostava. Já pensava até em pedir ajuda aos pais, para quiçá, fazer aquele tratamento que eles tantas vezes sugeriram... 

Uma coisa era certa: deixaria os amigos das farras. A última noite havia sido terrível! Bebidas, muito “fumo” e alguns “tiros”. Enlouquecera. Em sua mente, a lembrança dos móveis movendo-se pelo quarto e da sujeira espalhada pelo chão andando de um lado para outro misturava-se com os risos frenéticos dos amigos - amigos?! - que se distanciavam em câmera lenta, assustados, enquanto lhes estendia os braços, apavorado implorando ajuda. Depois... um vazio imenso! 

Caminhava tão absorto em seus pensamentos, que se surpreendeu ao chegar ao seu destino, tão depressa e sem cansaço. Estranhou... Em lugar de um edifício de escritórios, encontrou apenas um grande portão de ferro, fechado. Conferiu o número. Estava certo. Procurou uma campaínha, um interfone. Nada. 

Apesar da névoa daquela manhã de inverno, pôde perceber por trás daquelas grades, algumas pessoas que caminhavam lentamente, cabisbaixas. Talvez chorassem. Pensou até ver entre os primeiros do cortejo, seu pai, sua mãe, parentes, amigos (os verdadeiros) que há muito não via. Tentou entrar, mas o portão não se abriu. Chamou pelas pessoas lá dentro, ninguém o atendeu. 

Confuso, voltou-se para procurar um telefone público e, quem sabe, ligar para o escritório do pai e esclarecer aquela situação, quando viu à sua frente, em uma banca de jornais, estampada na primeira página de um jornal sensacionalista, sua foto e uma manchete em letras garrafais:

“MÃE ENCONTRA O FILHO MORTO, AO ABRIR O QUARTO, DOMINGO DE MANHÔ.

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