06/04 – Enquanto o táxi avança na escuridão da noite, tento
dissipar a névoa do tempo em busca da lembrança de bons momentos vividos por
aqui. A família, raramente reunida para férias, as crianças, meu pai, certa vez
tido por meu amante... Foi engraçado ver o desconforto, para não dizer a
maldade, de pessoas que conheciam meu marido, aqui me viam com esse outro homem
e davam asas à imaginação. Não julgueis...
Naquele tempo não estranhava o fato de nunca contar com a
companhia de meu esposo em nossas férias. Ele trabalhava muito... “Você não
soube me amar, você não soube me amar...” berrava o Evandro Mesquita, naquelas
noites de janeiro. Início dos anos 80, eu era tola e não entendia...
A última vez que aqui estive foi em 1992 – julho. Uma semana
de solidão, chuva e frio. Frio na alma pela percepção de que começava a perder
meu filho caçula e meu grito de socorro ecoava em vão resvalando em interesses
então desconhecidos. Tola, tola, tola!
***
07/04 - Hoje conheci a Jaqueline e sua garça, ambas
estagnadas. Ela mãe solteira e como a garça, dependente do pai pescador. Garças
me encantam, talvez por que houve um tempo em que era chamada de “minha garça”.
Com esta, a da Jaqueline, aprendi que elas, as garças, prezam a higiene. Pega o
peixe, voa em direção à poça d´água, lava-o, come e volta para tentar um bis.
Pena que hoje a pesca não foi boa.
***
08/04 – Sigo a rota dos pescadores. As boias alinhadas
perpendicularmente à praia demarcam os caminhos das redes. De repente, centenas
de biguás sobrevoam a área em busca da pesca fácil. O horizonte torna-se
sinuoso e dinâmico ao mergulho alternado dos grupos de aves.
***
09/04 – Às vezes, apesar dos meus braços perfeitos, me
atrapalho ao executar tarefas simples, como servir-me do café. À minha frente,
no buffet, o rapaz com um braço só, serve-se com desenvoltura das iguarias da
mesa enquanto conversa animadamente com a esposa. Foi um acidente e levou-lhe o
ombro também.
***
10/04 – Devia ter dado atenção àquele velhinho tímido e
simpático que puxou conversa na sala de jogos. Pelo pouco que disse, talvez
fosse um caso clássico de escuta solidária. Quem sabe o encontro de novo...
***
11/04 – Mala pronta, hora da avaliação. Estar entre
estranhos pode ser uma situação de solidão comunitária ou um rico garimpo de riquezas
escondidas à espera da bateia, neste caso eu e aquelas, a Zulma, a Miriam, a
Roseli e a Nilva, joias raras, que adornaram minha passagem por aqui e, espero
não se percam no afã da rotina da volta ao lar...
Roseli, Nilva e Miriam. A Zulma não gosta de ser fotografada,
mas sua imagem está gravada no meu coração.
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