segunda-feira, 15 de outubro de 2012

“No hospital, na sala de cirurgia, pela vidraça eu via...”

Não sei a quantas anda o Hospital do Servidor Público do Estado, a única vez que me utilizei dele, além do ambulatório, foi em 1995, numa situação de emergência e sem cobertura de um plano de saúde e fui muito bem atendida por um jovem residente de cabelos ruivos, que logo detectou o problema, pediu exames urgentes e me internou para cirurgia. E aí é que começa o sufoco.

Numa enfermaria de quatro leitos, na ala em reforma, logo descobri que do banheiro restava apenas o contra piso rústico e alagado pelo vazamento do vaso sanitário. Cheirava mal, mas tinha uma grande vantagem: era o único na ala que tinha água quente no chuveiro o que levava a uma desvantagem: todas as pacientes da ala vinham tomar banho ali, num entra e sai interminável.

Meu estado era grave (estava com mioma no útero e tinha hemorragia contínua), mas tinha um consolo: não morreria só. Além do movimento do banheiro, à noite, graças a uma gentil colega de quarto, este atingia sua lotação máxima. Pacientes de outros quartos e faxineiras. compareciam para o capítulo inédito da novela da Globo. Sentadas em nossas camas, apoiadas em suas vassouras e rodos, comentavam animadamente o desenrolar da trama. Só faltava a pipoca com guaraná.

Quanto à faxina, minha irmã providenciou o material necessário para que eu, embora conectada ao soro, providenciasse a desinfecção do banheiro.

Exames, vários dias de jejum, muita medicação e nenhum resultado, um belo dia, decidiram por transfusão de sangue e cirurgia imediata.

Chamei o capelão do hospital e pedi a Unção dos Enfermos para salvar a alma, o corpo já considerava perdido.

À tarde o Centro Cirúrgico vagou, bem na hora da visita. O hospital parecia um shopping center em véspera de Natal e em meio ao entra e sai, com jejum de quatro dias, sou conduzida por uma enfermeira, sem cadeira de rodas nem maca, vestida com um modelito nada pudico e carregando o pesado suporte de ferro do soro e, diante da perplexidade da minha filha, começo o desfile por aquele longo corredor repleto de transeuntes, quando uma hemorragia me obriga a parar.

Aos gritos de minha filha, uma cadeira de rodas aparece, jogam um lençol sobre a mim,  e, aos prantos dou entrada no CC, sob os olhares de reprovação do grupo de residentes que aguardavam para assistir a função e antes de subir na mesa de cirurgia, sem ajuda, ainda ouço o comentário de uma das mocinhas: “chorona, só porque é paparicada pela família, fica fazendo manha”.

A sala de cirurgia improvisada, compunha-se de mesa, alguns aparelhos, um balcão tipo pia do meu lado esquerdo, onde jaziam à minha espera dois frascos de sangue e do lado direito, prateleiras repletas de aparelhos de TV, vídeo, equipamentos e caixas empoeiradas.

Em um canto o grupo, uns quatro ou cinco, conversava animadamente, enquanto dois jovens simpáticos cuidavam da anestesia, que segundo eles seria um procedimento digno do hospital A. Einstein.

Anestesia raquidiana, pois o hospital não dispunha de peridural, como constataram na hora. Preparar, apontar e... nada! A anestesia não funcionou.

Replay. Não funcionou de novo. “Será que estavam vencidas?” sussurra um deles.

 “O que fazemos agora?”

“ Vai de geral” .

 “ Não pode, ela fez duas transfusões hoje!”

 “ Mas tem que ser agora!”. Está tudo preparado e sabe lá quando vai ter vaga de novo.

 “Onde estará meu residente de cabelos ruivos?!” Não fujo porque estou amarrada.

Olho para a porta aberta e vejo a janelinha de vidro da sala em frente e não sei por que me lembro da música do Amado Batista: “No hospital, na sala de cirurgia, pela vidraça eu via...”

Uma injeção na veia e quando abri os olhos estava numa maca em movimento, rodeada pela minha família. Não entendi nada. Só acordei de verdade, dois dias depois, quase sem poder me mexer e me sentindo muito mal, mas não estava só. As faxineiras continuavam ali, solidariamente assistindo a TV, sentadas em cima de nossos leitos e as colegas de quarto saboreavam as minhas sobremesas que se acumulavam sobre a mesa de cabeceira.

Estive ali durante nove dias. Dentro das limitações da falta de pessoal e apesar dos baixos salários, fui muito bem tratada pelos médicos e enfermeiras, só tendo a agradecer, pois após a cirurgia recuperei minha saúde.

Quatro dias depois da cirurgia, após assistir a agonia de uma das ocupantes do quarto, convenci o médico de que estava bem, me alimentando e com tudo funcionando (Mentira! Não fiz cocô nenhuma vez ali).

Consegui alta e saí numa cadeira de rodas. Só então, ao abrir a porta de casa, tive a real dimensão do quanto ela era limpa, acolhedora e que banheiro maravilhoso era o meu!

2 comentários:

  1. História bastante em sintonia com os anúncios patrocinados pelo governo federal tentando, por causa das eleições, nos convencer que vai tudo bem com a saúde, e cada vez melhor!
    É muita hipocrisia para o meu gosto...

    ResponderExcluir
  2. Tadinhos de nós entregues a uma SAÚDE falida, há anos.

    marcia ovando

    ResponderExcluir

Obrigada pela visita. E por favor, deixe seu nome para que possa agradecer individualmente.