Em 1985 mudamos para a Rua Tutóia. Tudo foi muito rápido, achar o apartamento – “Galinha Morta”, conforme o anúncio do Estadão – pintá-lo e mudar, acho que não levou 15 dias. As aulas iam começar e tínhamos que estar por aqui. Assim, não exploramos a vizinhança antes.
Na primeira manhã após a mudança, era domingo, dormíamos um pouco mais, no colchão no chão ainda e somos acordados com um toque de alvorada, às 6h. Parecia que alguém tocava o clarim em nossa cozinha.
Só então me dei conta de que, olhando pela janela da área de serviço, via-se mais adiante, na Tutóia, um quartel e que aquele quartel era o que abrigou o DOI-CODI, onde tantas atrocidades foram cometidas durante o regime militar.
Acostumamos com o toque da alvorada todos os dias às 6h e com o toque de recolher às 18h, mas a partir de um dado momento passei a sentir um mal estar todas as vezes que passava ao lado do longo muro que se estendia até a Rua Abilio Soares. Era algo que me oprimia o peito, não sei explicar.
Foi assim até o dia em que, do nada, decidi mandar celebrar missas, muitas missas na intenção de todos os que morreram torturados ali e, sem que eu consiga lembrar quando, todo o mal que eu sentia desapareceu.
O quartel nunca mais me assustou, mas anos depois, quando foi demolido e em seu lugar ficou um enorme vazio, a paisagem parece que se desanuviou.
Foto tirada da janela do nosso apartamento, no 6º andar.
No canto à esquerda aparece o prédio da IBM.
No centro a torre da Telefônica na rua do Livramento – Paraíso.
Ao fundo, o verde do Parque do Ibirapuera.
Entre os sobrados e os prédios ao fundo, a lacuna deixada pela demolição das instalações do quartel onde funcionou o DOI-CODI da Tutóia.
Lidia
ResponderExcluirNessa época morávamos na Batataes e felizmente não dava para ouvir e nem ver esse lugar tenebroso mas, a aridez do terreno após a demolição , até hoje me causa mal estar ao passsar próximo.
Esther