"Velho
que não tem dor já morreu, só precisa enterrar"
"Seu"
Paulo, um velhinho boa gente demais e cheio de dores.
Segunda
feira, 9 de março, 10h
Acordo depois de poucas horas de sono e
sinto-me mal, muito mal. Sem forças
para ficar em pé. Vomito há quase 20h e a desidratação já me pega.
Achava que fosse como outras indisposições estomacais, que já-já ia passar. Mas
não. E agora? Chamar as irmãs?
Os primos? Sei lá o que tenho. É bom
ficarem longe. Uma ambulância. Razoável, profissional. Como meu convênio
anda mal das pernas, não paguei a mensalidade dando um tempo pra decidir se
cancelo ou não. Entreguei nas mãos de Deus e pedi uma resposta. "Ó Senhor,
não precisava ser tão direto!". Não posso recorrer a ele, ao convênio. A
solução: SAMU.
24
hours earlier...
Domingo, 8 de março, Dia da Mulher. Missa.
Almoço. Uma árvore que cresce sem pedir permissão e no outono soltará as folhas
que irão entupir a calha. Poda! Já o fiz tantas vezes nestes 16 anos que aqui
estou... Mas desta vez será de forma
mais radical, que dure. Feito! Resta ensacar. O céu se fecha, venta e alguns
pingos anunciam o que virá depois. Acelero o trabalho. Os espinhos não perdoam.
Pronto. Banho, chá com biscoitos e geléia de mirtilio da amiga Rosa. Um filme.
Descanso... SQN.
Segunda
feira, 9 de março, 14h
192: Boa tarde. Emergência. Com quem eu falo?
Identifico-me, explico a situação e peço
ajuda.
192: Tem febre? Tosse? Dor? Falta de ar?
- Não. Não. Não. Não. Vômito há quase 24h,
diarréia. Não posso mais ficar em pé.
192: Sua solicitação está registrada. No
momento todos os nossos veículos estão na rua. Assim que houver disponibilidade
enviaremos um.
Segunda
feira, 9 de março, 16h
Ligo para o SAMU.
192 - Já pedimos o veículo, aguarde.
Segunda
feira, 9 de março, 18:30h
O celular toca.
192: Boa tarde (boa? Pra quem?!). Sou a
doutora (...) de Emergências do SAMU. O que está acontecendo AGORA, dona
Lidiaaaa? (???? Ela me conhece???)
- Como já relatei ao atendente, estou ... -
Ela interrompe:
192: É que a senhora sempre liga solicitando
resgate... (tá explicado o AGORA!)
Interrompo a interlocutora (ou seria
interloucotora?). "Nunca chamei o SAMU, é a primeira..."
192: Ah, sim, sim, devo ter confundido com
outra pessoa... Vou providenciar o pedido de uma unidade de atendimento. Mas
deve demorar, pois virá de outro distrito.
"VOU
PROVIDENCIAR O PEDIDO..."
Segunda
feira, 9 de março, quase 20h
Chega o veículo providenciado. O primo
atende, a meu pedido por telefone, pois deveria deixar a casa aberta e os
medicamentos que tomo à vista. Atendentes impecáveis. Fazem a primeira triagem
in loco e outra no percurso. Sinais vitais. Glicemia. Alergias. Etc. Etc.
Debuto no SAMU e faço minha primeira experiência como paciente de ambulância.
Começa o embate de para onde vão me levar.
Tem que ser hospital público. Peço o hospital a que tenho direito. É o mais
próximo, mas está fora da rota. Help me! Levam para outro, dentro das minhas
preferências. Meno male.
Idosa, necessito de acompanhante. O primo -
anjo da guarda, angustiado me acompanha.
No
hospital...
Sala de enfermagem semi vazia. Dois jovens em
poltronas de atendimento, um rapaz e uma moça, um de cada lado, e um idoso em
maca, todos recebendo soro. Dois enfermeiros, duas enfermeiras, um médico e um
segurança que entra e sai, todos sem máscaras nem luvas, circulam por ali.
Conversam, riem, tomam cafezinho.
Colocada também numa poltrona de atendimento
(desnivelada, o que causa muito desconforto), sou atendida por uma enfermeira
sem expressão facial, slowmotion, que enquanto coloca o acesso, faz as
perguntas de praxe e confere os sinais vitais. Do meu lado esquerdo, o jovem,
de alta, cansa de esperar e
retira a parafernália da veia e deixa pendendo, balançando no suporte e
pingando sangue. Levanta e dirige-se à saída. Um enfermeiro o barra. “Como?!
Não pode fazer isso!!”. Ri e faz tchau
pra ele.
O cartaz enorme na parede avisa: "Proibido
o uso de celular nesta área". Mas todos, eu disse TODOS, o utilizam.
Afinal, regras foram feitas para serem quebradas.
Aparece um médico. As mesmas perguntas...
Explico tudo de novo, embora já esteja
explicado na ficha que veio com o SAMU e naquela preenchida pela enfermeira
slowmotion. Acrescento aí, que achava (ó pecado mortal! Paciente não é pra
achar nada!), sim, achava que estava envenenada, ou melhor, intoxicada pelo veneno da planta que havia podado, pois seu gosto não
saía da boca e seu odor emanava de tudo o que saía de dentro de mim.
Nesse momento, meu primo, calado até então,
tira do bolso um guardanapo com as folhas da planta em questão, que pegara caso
fosse necessário - havia contado a ele, o que pensava. Mostra ao médico. Este
nem olha. "Não sou botânico. Não entendo de plantas." E acho ( olha
eu achando de novo...), acho que não entende nem de medicina, depois explico.
O primo sai, deve esperar lá fora.
São quase 22h e a coluna agora dói. Me
conseguiram finalmente uma dor. A slowmotion entrega um frasco para eu colher
urina. Só o frasco, sem o material protocolar de higiene íntima. "Onde fica o banheiro", pergunto. "Segue
por ali" - aponta para o lado do idoso, "entra naquela enfermaria e
lá no fundo tem um sanitário".
Na enfermaria, uma única paciente, uma
senhora idosa. Cumpro o rito e saio achando (achando de novo?!) que aquilo tudo
não está certo. Não sabem o que tenho e não sei o que ela tem, e me mandam
passar por dentro da enfermaria onde ela está e usar o mesmo sanitário...
Na volta, a slowmotion colhe sangue para
exames e em seguida, coloca uma embalagem de soro no equipo e, enquanto regula o gotejar da medicação, pergunta
se tenho alergia por algum medicamento. De novo?!! Já havia respondido a isso 4
vezes. "Sim, tenho alergia por Flagil, Ampicilina e Plasil". Ainda
bem que perguntou!
Num solavanco, deixa por um segundo de ser
slow e desconecta o recipiente com a medicação que adentrava o sagrado templo
do meu corpo, como diz uma amiga. "Plasil?! - Foi o que o doutor
prescreveu: Plasil, Dipirona e..." . Não lembro o outro. Tá explicado porque acho que ELE não entende
nem de medicina?
"Mudou o plantão e o outro plantonista
ainda não chegou, quando chegar, fala com a senhora". Explica a slowmotion
assustada enquanto despeja o conteúdo da bolsa na pia e descarta a embalagem.
A jovem do meu lado direito termina de ser
medicada e é liberada. O idoso da maca, senil, ora clama pelo Senhor dos céus,
ora chama a polícia aos gritos. Aí me deu saudades do meu pai, que quando
internado, também chamava a polícia, mas que diferença! A este senhor ninguém dava atenção, parecia
invisível, enquanto o meu pai era muito bem acolhido com brincadeiras por parte
dos enfermeiros do Hospital Santa Rita. Deus os abençoe, como disse minha mãe
em suas últimas palavras. Lá pelas 23h alguém vem pegar aquele pobre senhor.
Chega o doutor plantonista. Jovem, pinta de
galã. Beija a enfermeira jovem, loira e eficiente na organização dos kits de
enfermagem (mas slowmotion também). Deve ser por causa do protocolo. RSRS.
Rindo para não chorar.
Uma equipe do SAMU entra com um paciente que
é levado para uma sala. Um dos socorristas subtrai um punhado de luvas de uma
caixa sobre o balcão e as coloca no bolso. Que situação! O segurança entra e
sai o tempo todo. Haja café!
Médico: O que está acontecendo com a senhora?
Faz as mesmas perguntas. Pô, pra que serve a
ficha? Ninguém lê? Lembro da minha irmã, de uma certa enfermeira que tentou
matá-la com corticóide e da saga do Atenolol. Mas aí é outra história.
"Deus me deu pernas compridas, nenhuma
preguiça e muita paciência" - desculpe Chico, pela adaptação, mas foi do
que lembrei agora. Parecia um rosário, repete, repete, repete. Medicamento
prescrito. "Agora tem que esperar a equipe que está entrando no plantão
para preparar o que foi prescrito".
ESPERAR, o verbo mais conjugado naquela
enfermaria slowmotion, onde, por incrível que pareça, àquela hora, eu reinava
como única e absoluta paciente, já meio impaciente e invisível para aqueles
cansados profissionais da saúde que se preparavam ostensivamente para a troca
iminente do plantão.
Medicação colocada. Uns 40 minutos para
correr. Resta ESPERAR que venham retirar a parafernália. Esperar, esperar.
Afora a dor lombar que aumentou, dos sintomas trazidos me sinto melhor. Lembro
do impaciente rapaz que se auto atendeu. Que tentação...
Terça
feira, 10 de março 01h
Lar doce lar. Finalmente. Por
enquanto... Cansada, em jejum, medicada,
durmo por muitas horas. Agora devo me hidratar e tentar me alimentar. Limpeza
da casa, na medida das minhas forças, e descarte de toalhas, panos, tapetes,
enfim de tudo que participou do espetáculo da véspera e antevéspera. Chá, torradas e soro caseiro. E esse cheiro da bendita
planta que não sai da casa, ou será do meu nariz? Como num mantra, repito: "Sou forte,
saudável... Acho que estou quase curada". SQN.
Quarta
feira, 11 de março
Um dia inteiro de recolhimento, descanso,
abstinência, jejum, dieta líquida. Muito pertinente, é quaresma! E o cheiro
continua... Não posso nem olhar para a planta que dá náuseas...
Quinta
feira, 12 de março
Levanto animada - mental e espiritualmente -
porque o estômago incomoda, as pernas fraquejam. "É assim mesmo",
tento me convencer. "Vai passar, reage. Você já passou por isso. Força na
peruca, se arruma, toma café e vai à luta. Hoje é dia de fazer o que você gosta
- remexer no brechó".
Gatorade em punho, lá vou eu, agora com novas
responsabilidades, diminuir e organizar o brechó, hoje de portas fechadas para
balanço. Somos apenas três pessoas. Muito trabalho.
Mas, como alegria de pobre dura pouco, as
entranhas começaram a se rebelar e a distância entre o brechó e o banheiro da
igreja quase não foi suficiente. Necessário se faz ir para casa, pegar
documentos, chamar o UBER - não dá pra dirigir assim - e rumar ao pronto
socorro do Hospital do Servidor, onde deveria ser bem atendida. DEVERIA.
Às 10h e 40, adentro o recinto do cadastro do
IAMSPE. Um átrio, tipo anfiteatro, onde o atendimento começa. L-O-T-A-D-O. Lembrei que já se cogitava sobre
a chegada do COVID 19 e que uma pessoa já havia morrido em São Paulo vítima
dele. Não tinha escolha. Era o que tinha
para o momento. Então: seja o que Deus quiser.
Quando alguém tossia, todos se entreolhavam.
Uns mudavam de lugar, os que estavam em pé, as cadeiras estavam todas ocupadas
e percebi que conforto e comodidade contam mais que segurança, para certas pessoas que não
desgrudam de seus assentos, nem para ceder lugar aos que mais necessitam.
Encostei em uma parede debaixo de um monitor,
de frente para o outro. Foi o mais isolado que consegui. Os bips se sucediam,
mas meu número não aparecia. Quase 2 horas depois sou chamada para o cadastro e
outro tanto depois para a triagem. O movimento era atípico, informou uma
atendente, e apenas um ou outro profissional por ali estava de máscara.
Movimento atípico também, da parte dos
profissionais. Grupos de residentes novos circulavam pelos corredores e eram
apresentados aos consultórios. Uma movimentação não usual. Um rito de
preparação para o que estava por vir.
De vez em quando a Aurizete e a Celeny, amigas do brechó ou o padre me enviavam uma
mensagem pra saber como eu estava. Se já havia sido atendida... Se precisasse de alguma coisa era só
gritar... Depois de algumas horas, até eles desistiram. Eu não.
É bom esclarecer que não procurei minhas
irmãs pois com certeza iriam comigo ao hospital, não haveria negociação e, a
essas alturas, a última coisa que eu queria era ter que me preocupar com a
saúde de outros. Já bastava o mal estar.
Depois da triagem fui encaminhada para as
salas de espera dos consultórios, dois espaços. Salas só no nome. Corredores,
com cadeiras nas laterais, apinhados de doentes e uns poucos acompanhantes, no
meio dos quais passavam cadeiras de rodas e macas com pacientes em situação de
mais urgência, que sumiam depois da barreira dos seguranças.
Quando cheguei, uma mulher insultava aos
gritos uma jovem residente, com cara de paisagem, e um homem velho, que me
pareceu não muito lúcido, acompanhado de outro homem velho, tossia escandalosa
e propositalmente enquanto circulava em meio às pessoas. O mais lúcido
punha-lhe a máscara, mas durava pouco.
Serventes promoviam a duvidosa limpeza dos
banheiros e do chão, onde resíduos fisiológicos eram deixados pelas macas.
Acomodei-me em um canto, abaixada como os
caipiras fazem, depois de mais de quatro horas em pé. Dali observava o
comportamento estranho e às vezes surreal desses, que chamamos de humanos.
Quando alguém tossia, um movimento disfarçado se fazia, pra lá ou pra cá. Mas
as distâncias continuavam as mesmas - menos de 50 cm entre uns e outros.
Jovens, sentados, absortos em seus celulares se faziam de cegos ante aos
inúmeros idosos em pé que se apoiavam na parede, em bengalas, andadores ou
acompanhantes. Grupos de pessoas, que devido à longa espera se tornaram
"amigas", partilhavam lanches nada saudáveis, comprados pelos
acompanhantes nas barracas do entorno do hospital, e, como é de se esperar, a
farofada se espalhava pelo chão. Nem eu, que estava em jejum há 4 dias comeria
aquelas guloseimas.
Finalmente fui chamada. Ali é pelo nome.
Consultório 16. Chego à porta, peço licença. Ninguém responde. Entro. Pergunto
se devo fechar ou deixar aberta a porta. "Fechada!". Sento-me sem ser
convidada. A pessoa na minha frente não tira os olhos do computador. Homem,
jovem, sem mais descrições para não comprometer, não me olha, só pergunta o que
está acontecendo. O diálogo, se é que se pode chamar assim, foi surreal e
inócuo.
- Desde de domingo estou vomitando...
- Sei, mas o que está acontecendo agora?
- Estou com diarréia, vomitando, com
queimação...
- Tem febre? Onde dói?
- Não dói, é só queimação e vômito...
- Perguntei onde dói.
(Por que eles sempre acham que velho tem que
ter dor? E se não tiver algum problema?)
- É queimação...
- Onde? Onde?
- No estômago...
- Perguntei onde, mostra com a mão!
(Agora, bem e de bom humor, fico me
imaginando a mostrar o estômago com a mão. Deveria enfiar a mão goela abaixo?
Porque não pensei nisso naquela hora?)
Levei a mão à altura da cintura. Continuando
sem me olhar ele fez a prescrição dos medicamentos e me dispensou sem mais
palavras. Dirigi-me à enfermaria, já sabia o procedimento seguinte, entreguei a
ficha e toca esperar. Aqui a sala é menos cheia. Quase todos conseguem sentar e
finalmente o fiz.
Não demorou muito e fui chamada. Na sala de
medicação, dez cadeiras que se via e algumas por trás de biombos, afastadas.
Todas ocupadas. Três enfermeiras e um enfermeiro corriam de um lado para outro,
dando o melhor de si no atendimento àquela gente. Que contraste com o
slowmotion de dias atrás. Tinham expressão em suas faces cansadas e sem máscaras.
Via-se o sofrimento da profissional que não conseguia "pegar" a veia
daquele senhor que faz hemodiálise e ainda a consola, dizendo que "é assim
mesmo, sempre custa". A senhora de meia idade que acompanha a mãe durante
a inalação, linda, de cabelos brancos assumidos, conversa solidariamente com
velhinhas que estão sós, inclusive comigo, velhinha, mas só por opção, é bom
deixar claro novamente, pois julgamentos são muito fáceis de fazer.
Avisei que não tinha pressa, que estava me
sentindo melhor. Que cuidassem dos mais sofridos. E como os via ali.
Enquanto isso, a TV que reinava em dupla face
no centro do ambiente transmitia o Brasil Urgente, onde o Datena se esgoelava
na descrição de uma ocorrência, onde a polícia havia encontrado diversos corpos
em adiantado estado de decomposição, desovados num terreno em meio a um
matagal. Putz! Nada mais pertinente. Todos ali já estavam quase em estado de
decomposição depois de tantas horas de espera. Ainda bem que tenho dentes,
posso rir.
Chega a medicação. Conforme o protocolo a
enfermeira confirma meu nome e data de nascimento na etiqueta do frasco e
explica o conteúdo: solução de soro e sódio a 9%, um analgésico, um antitérmico,
um anti-inflamatório e um antiemético. Putz de novo!!! Não tenho febre nem dor,
mas insistem em que eu tenha. Não tomo anti-inflamatórios por princípio. O que
fazer? Comento com a enfermeira e ela informa gentilmente,que poderia cancelar
a medicação e me levar de volta a outra consulta. Dúvida: correr o risco ou
esperar mais quatro horas? Optei pela
primeira opção, não sem perguntar todos os nomes e sobrenomes dos medicamentos
que faziam parte daquele coquetel. Vai que tem um Plasil por ali...
Enquanto o soro corria, quer dizer, gotejava,
continuei observando cada uma daquelas pessoas. Ninguém olhava para a TV.
Alguns cochilavam, outros conversavam. E os profissionais se desdobravam.
Elogiei a enfermeira que me atendeu e perguntei se tinha idéia de quantas
pessoas atendia por turno. "Não tenho idéia e nem quero saber, para não
desanimar". Ela ainda não desanimou, acredito ainda na humanidade.
Soro acabado, sou reencaminhada à sala de
espera para o retorno à consulta, retirada do acesso e alta. Maravilha! Ledo
engano, 19h, mudança de plantão. Como tudo tem seu lado bom, vou esperar muito,
mas pelo menos não vou olhar na cara daquele ser arrogante, que queria que eu
mostrasse o estômago pra ele.
Muitos estavam ali na mesma situação, penso
que a maioria. Impacientes, cochilando, reclamando, alheios a tudo em suas
cadeiras de rodas abençoados pela senilidade, mas todos com o adereço do acesso
no braço e profundas olheiras de fome. Até eu que nunca tive olheiras, desta
vez consegui as minhas.
Lá pelas 20 horas, uma jovem e simpática
residente me chama, pergunta como estou, tenta justificar muito sem graça e sem
sucesso, a medicação que me foi aplicada (ou devo dizer impingida?). Prescreve
um remédio para náuseas, se as tiver, e
outro para DOR, caso eu precise. É incrível, eles não se conformam que eu não
tenha dores.
Às 21 horas e pouco, chego em casa. Sem
náuseas, uma sensação boa de bem estar, mas, meio dia de hospital, em pé a maior parte do tempo, num jejum de 4 dias e
tentando escapar do virus da vez, deixa qualquer um fora do eixo, e eu não sou
diferente. Tomei o meu chá de camomila com torradas, me dei um belo banho e não
me lembro como cheguei até a cama, só sei que na sexta feira acordei depois das
10h, novinha em folha. Só as pernas insistiam em não me aguentar, mas já cuidei
disso com muita proteína e exercícios.
Nos dias que se seguiram as notícias sobre o
COVID 19 se sucederam e com elas o isolamento social se impôs. Em quarentena
voluntária, fazia a contagem regressiva dos 14 dias que me separariam da visita
ao hospital, "sem medo, nem dó, nem drama", afinal:
"Que sera,
sera
Whatever will be,
will be
The future's not
ours to see
Que sera, sera
What Will be, Will
be".
Grande Doris Day!
Reflexões sobre o episódio:
1 1 - Preciso
rever meus conceitos sobre onde morar.
a - Não
consegui subir por mim mesma a rampa de casa para acessar a ambulância;
b - Não
conseguia descer as escadas para fazer um chá. Quando, por fim, me arrastei para baixo, quase não conseguia
subir as escadas;
2 – Devo
lavar imediatamente a louça após o uso. Cai de cara numa pia cheia de louça
suja e engordurei os cabelos (fato que não aconteceria com a minha irmã nem com
a minha nora, pois jamais morreriam deixando louça suja na pia).
3 - Devo usar sempre roupas com bolsos para
carregar o celular.
4 - Preciso compartilhar a chave de casa com
o vizinho. Vai quê...
5 - Pelo sim , pelo não (por que a gente fala
isso?) paguei o plano de saúde. Vou dar um tempo mais.
6 - E, por último e principalmente, tenho que
mandar cortar aquela bendita árvore “espinhuda”, que parece que ri de mim o
tempo todo.
Quando cheguei na parte do Hospital dos Servidores Públicos, pensei o que já estava ruim vai ficar pior. Nunca nem entrei nesse hospital, mas conheço a fama.
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