quinta-feira, 23 de julho de 2020

Uma triste cena


Houve um tempo em que morei na cidade de Mogi das Cruzes e desse tempo quero deixar aqui minhas lembranças.

Era a década de 70, eu morava na Rua Taiaçupeba, Alto do Ipiranga, Mogi das Cruzes em uma pequena chácara. Naquele enorme descampado nossa casa era separada do cemitério “dos pobres” pela casa vizinha à nossa e por um grande vale de mato rasteiro.

No afã de preparar a terra para fazer a horta, ia sempre a uma madeireira que ficava no bairro da Vila Industrial, no outro lado da cidade, para pegar serragem. Numa das vezes em que voltava de lá, com meu velho fusca 77, ao iniciar a subida da ladeira que levava ao cemitério, deparei-me com uma cena que jamais podia imaginar ter à minha frente, vivendo como então vivia em uma cidade de porte médio.

A avenida praticamente deserta, pois além das poucas casas existentes por ali, ela levava apenas ao cemitério e à Usina de Asfalto da Prefeitura. O céu encoberto e a manhã fria tornavam aquele cenário mais triste. Na calçada da direita, um homem humildemente vestido caminhava lentamente, cabisbaixo, levando algo debaixo do braço que me fez parar o carro para conferir se realmente era o que eu achava que estava vendo. Era. Um pequeno caixão funerário branco. Alinhei o carro com o homem, parei, desci e abordei-o perguntando se me permitia levá-lo.

O cemitério distava dali aproximadamente um quilômetro. Nem pensei na situação do carro, lotado de sacos de serragem e bem sujo, pois era muito utilizado para transportar materiais de construção. Isso tudo sem falar da minha aparência – vestida como estava com roupas de trabalhar na terra, velhas e sujas.

Limpei o banco do passageiro da melhor forma que pude, segurei aquele triste invólucro enquanto o homem se acomodou, daí coloquei em seu colo e seguimos.

No breve trajeto ele me contou que o bebê falecera logo após o parto, muito complicado, que a esposa estava internada e não passava nada bem e que ele não tinha dinheiro para providenciar o enterro. Ganhou o caixãozinho e com a ajuda das enfermeiras arrumara o anjinho, fechara e agora levava para que fosse sepultado.

Chegando lá, segurei novamente aquela preciosa carga, enquanto o pai descia do carro e o acompanhei até a administração para checar se tudo daria certo. Confirmado, segui para casa onde tinha meus filhos, afazeres e horários a cumprir.

Já vi muita coisa triste nesta vida, passei por momentos dolorosos, mas nunca vivenciei uma solidão tão grande e tão dolorida como a daquele jovem pai.

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