terça-feira, 25 de abril de 2023

Preciso voltar à Lapa

 Embora paulistana de nascimento, conheço bem pouco da cidade e menos ainda dos trajetos dos ônibus além das fronteiras do bairro onde cresci e seus arredores, assim, consultar o Google maps em nada ajudou, pelo contrário, confundiu-me ainda mais. Três conduções? Trajetos a pé?  Inviável, até que encontrei a Li e a Mo, amigas da paróquia.

“Rua Roma? Lapa? Simples demais. Pega o 856-R e desce no ponto final. Tá lá!” Diz a Li.

“Só isso? Mas o Google...”.

“Esquece”, interfere a Mo. “Pega aquele laranjinha, Lapa / Socorro, ali, no primeiro ponto e relaxa”.

“Mas leva um livro”, recomenda a Li dando risada. ”Demora...”.

“Quanto tempo antes da consulta devo sair?”.

Mo: “três horas!”.

A apreensão volta. “Tudo isso? Será que duas não são suficientes?”

“Pelo menos duas e meia” – adverte Li.

“Fica perto de um shopping” – informa a Mo toda animada. “Se chegar cedo pode dar umas voltas por lá.”

Ah se ela soubesse como me sinto acerca de shoppings...

Terça feira.  Levanto e já começo os preparativos para a “viagem” à Lapa. Identidade, cartão do SUS, encaminhamento da UBS, máscara, agasalho, guarda chuva – nunca se sabe... Ah! O livro!

O ônibus não demora. Lotado! Quero ler, mas leitura e malabarismo não combinam. Vaga um lugar e mergulho no policial de corpo e alma.

Lá pela página quarenta e pouco olho pela janela e viajo na viagem pelos caminhos desconhecidos.

A cobradora falava o tempo todo, muito alto. Sentada no banco imediatamente atrás do motorista tinha, além dos solavancos que sacudiam até o cérebro, uma vista privilegiada, mas o toc... toc... contínuo que vinha de algum equipamento do coletivo soava como o som de um relógio gigante e torturante. Toc... Toc...

A cobradora grita: “a porta está caindo!”. “Esta porcaria está desmanchando” – rebate o motorista. “Até o ponto final vou ter só o volante nas mãos”. Risadas.

“Motorista, o senhor corre muito e faz manobras perigosas. No veículo tem muitos velhinhos” – reclama a senhora não tão velhinha, antes de descer. Suspense. Se fosse a outra linha, a que costumo utilizar no dia a dia, a m... estava feita. Ia dar briga.

O motorista fechou a porta, suspirou: “velhinhos...” e seguiu. Ufa!

Como previsto cheguei quase duas horas antes do horário da consulta. Acho que, pela tensão das novidades, estava com fome. Muita fome. Tinha visto o shopping, mas só de pensar em circular por lá, as mãos suavam.  Então fiz o que nunca imaginaria fazer: entrei num tipo de lanchonete/botequim. “Tem algo sem carne?” – pergunto meio constrangida. “Não senhora.” Agradeço e vou saindo. “Mas posso fazer um queijo quente se quiser”. “Quero!” E como quero,,,, ”Com café puro, por favor,”.

Em meio a cardápios, pôsteres de bebidas e sanduíches, a frase: “O sabor da vida depende de quem a tempera”. Taí, gostei. Filosofia de botequim.

 

Já na AMA do Idoso Oeste, depois de cumpridas as formalidades e xixi feito, retomo a leitura. As duas vítimas de assassinato que aparentemente nada tinham em comum, na verdade eram amantes e a trama toma um rumo instigante, Enquanto isso a Eileen com o grupo de negociação com sequestradores, interagia com um velhote asqueroso que mantinha a neta sob a mira de uma espingarda de dois canos e pedia uma prostituta em troca da soltura da pobre Pamela...

“Lidia Aparecida Walder!” – grita a otorrinolaringologista a plenos pulmões. Sob a tensão que me encontrava assusto, mas reconheço que aquele grito até tinha lógica em vista da especialidade dela. Entro no consultório meio aturdida.  A consulta não dura mais que cinco minutos e sou avisada de que num futuro não muito próximo serei comunicada da data do exame que deverei fazer.

A viagem de volta foi rápida. Porque será que o caminho de volta é sempre mais curto que o de ida?

Depois de seis horas fora de casa, exatamente na página 143 chego ao meu destino.  A pobre Pamela foi salva finalmente, mas os outros casos do 87º DP ainda continuam pendentes. Vou ter que ir à Lapa de novo para terminar esse livro. Obrigada pela dica Mo e Li.

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