terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Flashback...

Hoje à mesa do almoço falávamos de transportes e de repente, não sei como chegamos aos bons tempos dos trens da Paulista que trazia e levava barões do café e imigrantes do interior à capital. 

Conheci esses trens, quando me casei e íamos à Americana visitar os parentes de meu marido. O trem já não tinha tanto glamour, mas ainda era um transporte de classe. 

Embarcávamos logo cedo, na Estação da Luz, um exemplar muito representativo da arquitetura do ferro e da era ferroviária, que praticamente confundiu-se com o período áureo da cafeicultura. Ah, como eu admirava aquela construção! 

Durante a viagem , tranquila e confortável, aproveitávamos para lanchar. Um funcionário da Cia Paulista, impecavelmente uniformizado passava com uma bandeja , oferecendo sanduíches e refrigerantes. Lembro que sempre comia um Bauru com Guaraná Antártica. Também passava pelos vagões o vendedor de jornais e o meu marido comprava “O Estadão” e lia o percurso todo da viagem enquanto eu admirava a sempre renovada paisagem rural de nosso interior.

Lembro-me de fazer esse passeio de trem, várias vezes, quando já era mãe de dois filhos. Com as crianças não era apenas um passeio, mas uma aventura a ser explorada. Ao desembarcarmos em Americana, íamos rapidamente para o ponto das charretes. Táxi, nem pensar, a charrete era mais divertida. 

Enquanto seguíamos pela avenida paralela à linha do trem em direção ao bairro da Conserva, onde morava minha sogra, deixávamos para trás a rotina cosmopolita e integrávamo-nos ao clima do interior, passo a passo, com o trote elegante do cavalo, o sol sobre nossas cabeças e o vento acariciando nossas faces. 

Era um momento "slow motion" em nossas vidas paulistanas. 

Na volta, sempre no final da tarde, as crianças já saíam da casa da avó Djanira pedindo ao pai para jantar no trem. E assim era toda vez. Sentados à mesa no vagão restaurante - aqui abro parênteses para corrigir: carro restaurante, pois como explicou o monitor do Museu Dinâmico da Maria Fumaça Campinas - Jaguariúna, vagões são de carga, o trem de passageiro tem carros – como dizia, no carro restaurante, diante de petiscos variados e a conversa correndo solta, nem percebíamos o tempo passar e quando menos se esperava, um forte apito avisava que já estávamos em terras paulistanas...

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Tentando se dar bem no Carnaval

Acho que foi em 59 ou 60, eu ainda cursava o antigo ginásio.
Começo de ano não aparecia aluno particular, uma dureza!
Decidi ganhar um dinheirinho, colocando em prática habilidades  latentes.

Uma amiga sabia fazer uns sapatos de napa, tipo mocassim. Aprendi e fiz uma para mim. Uma delícia para andar! Foi aí que tive a grande idéia: vamos fazer sociedade e vender sapatilhas para o pessoal pular carnaval. Ela topou.
Para começar compramos meio metro de napa preta e fizemos 4 pares com numeração variada. Recortava-se com o molde correspondente ao número – a diferença de um número para outro era exatamente 1 cm no molde. Fazíamos furos com um furador que meu pai fez e costurávamos com cordonê. Para costurar a bainha lateral e firmar no pé, passávamos um cordão de sapateiro do calcanhar para frente que era arrematado com um laço sobre o peito do pé. Colocávamos as palmilhas e ele tomava forma.



Vendemos para os amigos. Animada, mais eu do que ela, cuja situação da família era um pouco melhor que a nossa, lá fui eu de loja em loja de calçados do Brooklin, tinha umas 3 ou 4, com uma amostra, oferecer nosso produto.

 Havia uma casa de calçados esportivos, bem pop, que vendia chinelos, congas, alpargatas, na Joaquim Nabuco.


O dono era um rapaz árabe. Ele se animou e encomendou 50 pares. Várias cores e tamanhos. Faltava pouco para o carnaval, foi uma correria, mas entregamos em tempo e ele pagou à vista. Deu para o material escolar básico daquele ano.

 Mas o pior aconteceu: ele não vendeu as sapatilhas de números grandes e elas ficaram expostas na vitrine quase toda a quaresma. Cada vez que passava lá, parecia-me que elas estavam maiores. Morríamos de vergonha! Vergonha que durou um ano mais ou menos.


No ano seguinte, aproveitando as aulas de Trabalhas Manuais da dona Nadir, no Alberto Conte, foi por ocasião da quaresma que decidi tentar novamente me dar bem. Desta vez,  fazia coelhinhos utilizando esponja de lavar a louça, que naquele tempo era uma espuma de nylon simples, quadrada, medindo uns 7 cm de lado e sem a parte verde e abrasiva que tem hoje.  Comprava aos montes no Peg-Pag.


De posse de um pequeno molde feito em cartolina, desenhava na esponja com caneta esferográfica, esculpia com tesoura o coelhinho, colocava olhos de botões vermelhos, bigodes de piaçava, nariz e bocas pintados com guache e uma fitinha com laço no pescoço. Ficava perfeito.

Era coelho azul, rosa, amarelo, verde, mas o que tinha mais saída era o branco. Gastava mais ou menos o correspondente a uns R$ 0,60 hoje e vendia pelo que seria R$ 2,00 até com cartãozinho de Boa Páscoa. Vendia tanto que tinha calos nas mãos de esculpir coelhos. Ensinei minha irmã e uma prima a fazê-los e dava uma porcentagem para elas.



Quem quiser aprender é só acompanhar as imagens.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A LACTA FAZ 100 ANOS

 

 Agosto de 2004 - O prédio onde décadas funcionou a Indústria de Chocolates Lacta está desaparecendo, demolido para dar lugar a um novo condomínio de alto padrão.

Com ele desaparece também um dos ícones da infância de todos nós que crescemos na Vila Carmen e imediações, envolvidos pelo aroma quente e delicioso do chocolate sendo preparado.

Pega-pega com cheiro de Bis; esconde-esconde e o aroma do waffel; amarelinha com Laka; Natal com Florença; queimada com Diamante Negro; namoro com Sonho de Valsa; noivado com Giaduia – o melhor de todos e gravidez agridoce com Frutella – o objeto dos meus desejos.

As máquinas trabalham a todo vapor e as paredes azuis e brancas vêm abaixo deixando atrás da poeira um grande vazio. Vai-se assim, mais um pouco da história deste bairro e da cidade de São Paulo.

Comandada pessoalmente pelo proprietário, o Exmo. Sr. Governador Adhemar Pereira de Barros e funcionando no imponente prédio situado entre a Rua Barão do Triunfo e a linha do bonde Santo Amaro, hoje Vereador José Diniz, foi durante muito tempo destaque no mercado nacional de chocolates.

Com a morte do governador, passou para o filho, Adhemar Pereira de Barros Filho, o Adhemarzinho, e após várias crises foi vendida por conveniência dos herdeiros.


Ao ver aquela construção de mais de um quarteirão quadrado vir abaixo, sinto que o bairro perde um referencial e que minha história fica mais pobre. Dou-me conta de que há muito já não sinto o aroma sensual do cacau sendo manipulado e que nem me apercebera disso.

Sonhos de Valsas, Diamantes Negros, Lakas, Bis continuam nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais com a mesma marca, mas para quem viveu nessa área do Brooklin, onde durante décadas reinou altiva a bela chaminé da Lacta, o gosto dessas iguarias jamais será o mesmo.

Saiba tudo: www.lacta.com.br

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

No caos um achado gratificante


Ontem, ao organizar uns guardados – não sou de muitos guardados, mas alguns são especiais – encontrei alguns do último ano em que lecionei na escola estadual: EEPG César Martinez, Moema, São Paulo.

1998. Uma turma de 4ª série (hoje seria 5ª) do ensino fundamental. Turma organizada após o remanejamento aconselhado pelas diretrizes e bases da educação de então, composta por crianças com expressiva dificuldade de aprendizagem.

 Na sala, alunos desde 11 até 16 anos. Crianças, sim, crianças. De lares humildes, em sua maioria dóceis, esforçadas e que respeitavam os mais velhos.

Sempre tive por hábito, no início do ano, desenvolver atividades para verificar o estágio do conhecimento dos alunos, para, a partir daí dar prosseguimento aos estudos. De nada adianta ensinar a matéria da 4ª série, se o aluno não está alfabetizado, é tempo perdido e, ao fazer a triagem, deparei-me com muitos desafios a enfrentar, mas em especial Dalila, uma menina de quinze anos, recém-chegada do nordeste, que apenas dominava as sílabas simples e mal sabia o que era uma subtração sem reserva. Mas, tinha ânsia de aprender. Esforçava-se tanto, que conseguiu fazer três séries em uma.

Trabalhamos muito aquele ano. Também cantamos, dançamos e fizemos teatro e, ao término do período letivo, contrariada, fui obrigada a permitir que alguns alunos despreparados fossem para a série seguinte, era a lei, ora a lei! Mas entre tantas outras, tive a grande satisfação de encaminhar Dalila para a 5ª série, se não completamente preparada, porém com a autoestima massageada, com a certeza de que era capaz.




No último dia de aula entregou-me o cartão que ilustra o texto. Há erros? Sim. Mas quantos alunos de 5ª série de hoje, do ensino público, escrevem como a Dalila?

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Um ano sem minha mãe

Hoje completo um ano sem minha mãe. Um ano que ela, debilitada em diversas de suas funções físicas e psicológicas, deixou a velha morada terrena que carregou durante oitenta e sete anos, três meses e nove dias e voou livre das dores deste mundo para o Lar Eterno. Fato corriqueiro e esperado, mas que ainda incomoda demais.

Um ano que não deixei de me pegar atenta ao chamado dela nas madrugadas: “Mãe, quero fazer xixi...” Sim me tornei sua mãe nos últimos meses. ”Mãe, você é tão engraçada!” E ria para mim, quando no banho, lavando-lhe os cabelos, cantava Por una Cabeza, meu tango preferido. E dali, do banho, íamos para frente da TV, todos os dias, infalivelmente assistir à Missa da Rede Vida. E ela, que nem as filhas reconhecia , acompanhava sem esquecer as orações nem as letras das músicas.


Não recusava convite para uma saidinha de carro e observava as árvores floridas com encantamento infantil. E agora, as árvores estão todas floridas por aqui e ela não está ao meu lado para exclamar: “Que maravilha!”.


Um ano que “naquela mesa está faltando ela”, para elogiar a refeição que eu preparo. Tudo para ela era bom, “uma delícia!”.

Às vezes teimava e era necessário impor-lhe certas diretrizes, como a uma criança. Ela reagia com mansidão, pedindo que não a deixasse nervosa. E pra tudo e pra todos era “muito obrigada”, “Deus o abençoe”. E essas foram suas últimas palavras, quando finalmente a acomodei para dormir, na última noite que falou.

Naquela madrugada perdeu a consciência e foram 20 dias do mais triste silêncio que já presenciei.

Hoje à tarde, estarei na sua Missa de um ano de falecimento, sentada no mesmo banco que durante anos ela escolheu e ao final do Pai Nosso vou chorar a falta do aperto de sua mão na minha, mas sei que muito mais do que eu, ela estará junto ao Pai orando por suas meninas, como sempre fez.

 

Permaneceu linda  até o fim, curtiu demais suas flores e  sempre que convidada, me acompanhou nas minhas aventuras.