domingo, 13 de outubro de 2013

Bisa Ana

Tenho por hábito dormir com o rádio ligado. Isso remonta ao ano de 1996,  fase difícil... Uma amiga sugeriu que ouvisse o programa do padre Marcelo, era muito tarde, começava a rezar e dormia. Hoje ouço emissoras jornalísticas e o efeito é o mesmo. 

Acordei com o apresentador pedindo que alguém do outro lado da linha informasse qual era a mulher com maior número de filhos naquela cidade. Viajei. Lembranças das conversas da minha mãe, sobre a minha bisavó Ana. Não a conheci, mas é como se assim não fosse. Sei tanto sobre ela, que me surpreendo. 

Casada por arranjo das famílias, aos 13 anos, com Francisco, um guapo mariachi, festeiro na Galicia, Espanha, veio para o Brasil com o marido e três filhos, por causa das reviravoltas políticas de lá. 

Teve catorze filhos, dos quais criou sete. Conta-se que brincava de casinha com a primeira, nascida-lhe aos catorze anos, sofria muito com a vida boemia do marido, que aqui continuou a tocar guitarra em festas. 

A família passou pela cidade de Itápolis, onde meu bisavô se estabeleceu, até com certo conforto. Depois de um período obscuro, com os filhos mais velhos casados e do qual os netos não sabiam quase nada, vieram para São Paulo, morar na Avenida Macuco, 16 - bairro de Moema, em situação de penúria.

Nesta cidade, a bisa passou a lavar roupa para fora pra ajudar no orçamento doméstico e, uma de suas principais freguesas, era uma família que morava na Rua do Ouro, Brooklin, numa propriedade conhecida por “Vila dos Pássaros”. 


                Foto extraída do folheto de propaganda do loteamento do bairro - 1947 

Em 1947 meu pai comprou um terreno na rua dos fundos da mansão e é onde vivemos até hoje. Antes do meu nascimento, numa cidade quase deserta, de carroças e bondes, minha bisavó andava pelos caminhos que eu percorro há muitos anos. 

Apegada à minha mãe, que morou com ela por algum tempo, preocupava-se quando esta engravidou e a visitava, quase todas as tardes quando voltava das entregas de roupas. Lá estava eu para nascer e já ganhava da bisa Ana, recuerdos, entre eles, uma planta, cujos descendentes sempre estiveram presentes na nossa casa, bem como a tijelinha, onde minha mãe tomou a primeira refeição na casa da abuela, nos idos de 1924. 


Mas hoje, ao acordar, a imagem que me veio da bisa Ana, da qual nunca vi uma foto, era a da mulher oprimida, engravidando inúmeras vezes, aceitando e criando com amor os filhos. Mulher que conheci por meio do carinho que minha mãe demonstrava ao referir-se a ela, a ponto de, depois de sua morte e próximo ao meu nascimento, ainda ouvir sob sua janela o arrastar de seus chinelos.

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