Lá, carregando pedras enquanto descansava; subindo e
descendo mais escadarias do que subo e desço aqui, carregando muito peso sobre
os ombros e arrastando meus pés descalços por caminhos nunca dantes
transitados, pensava de vez em quando nas obrigações deixadas para trás, mas ia
logo afastando essas lembranças, pois como aprendi no catecismo, é pecado
alimentar maus pensamentos.
Certa tarde, eu que bravamente atravesso a Praça da Sé, que
passeio pelo bairro da Luz, exploro os arredores da 25 de março; que já visitei
os becos sórdidos dos treme-tremes do Bexiga, trabalhei ao lado da favela
Funerária entre a Vila Maria e o Parque Novo Mundo; sem contar a passagem
diária pela tenebrosa esquina perto de casa, que não é esquina, mas curva de
rio, onde para tudo o que não presta, fui covardemente assaltada por um Bob
Marley nada artista e muito fedorento que ali, a um passo do paraíso, em
parceria com um elemento esquisito, agarrou quem me acompanhava arrancando-lhe
a carteira de documentos e cortando, com uma faca fina e pontiaguda, a alça da
bolsa a tiracolo.
Como diz o ditado: “o saber não ocupa lugar”, e sendo esta
cidade, mestra em nos preparar para esse tipo de situação, fui logo dizendo ao
Bob Marley de araque: "calma, por favor, não leve as roupas, deixe nossos
documentos, eu lhe mostro onde está o dinheiro, tem só uma nota de 50”.
Enfiando a bolsa na minha cara, com a faca perto do meu
nariz, ele esperou que eu abrisse o zíper e apontasse a pequena bolsa de
crochê, que revirou, pegando a nota e dizendo para o outro que portava uma faca curta porém robusta: “pode deixar, não tem mais nada não!”.
Assim, a um passo do paraíso, aonde minutos antes
contemplávamos extasiados as belezas naturais e agora via aquela lâmina
reluzindo ao sol, só conseguia pensar numa coisa: “não permita Deus que eu
morra sem que volte para lá!” (Gonçalves Dias).
Atônitos, caminhamos lentamente em direção ao hotel, vendo
nossos agressores afastarem-se tranquilamente, com aquela terrível sensação de
impotência, mas agradecendo a Deus por ter sido apenas um susto.
E foi ali, a um passo do paraíso e não aqui na cidade
violenta, que o inesperado lá, mas esperado aqui, aconteceu.
De lá, guardo o sonho realizado de conhecer os
indescritíveis Lençóis Maranhenses, lembranças, imagens extasiantes e um
"recuerdo" feito por mim, com a casquinha do siri, degustado naquele dia,
numa praia urbana em São Luiz do Maranhão.