sábado, 11 de janeiro de 2014

Flagrante da vida real

Tinha dezesseis anos, morava num subúrbio de São Paulo e trabalhava como office boy no centro da cidade.

Estudava à noite, chegava tarde, saía de casa bem cedo, carregando a marmita. O salário era pouco, a vida difícil e ainda não tinham inventado o vale-refeição. Vivia atrasado, correndo pelas ruas para não perder a condução.

Certo dia, ao se aproximar da estação do trem, ouviu o apito, aviso sinistro de que a composição já estava para sair. Disparou desabaladamente em direção à plataforma e, ao colocar os pés ali, pisou em cheio numa poça d’água, escorregou e estatelou-se no chão.

A marmita voou, desembrulhou-se e a tampa separou-se dela, fazendo com que o ovo frito, única mistura que levava, saísse rolando pela plataforma, parando junto a um grupo de pessoas que esperavam a composição e que ao ver aquele ovo rolando, gritavam:

-  Pega o zoião  moleque! Não deixa a mistura fugir!
               

Envergonhado, sem olhar para trás, enfiou-se no vagão maldizendo o ovo artista, que fugiu rodopiando de sua marmita e evitando encarar os olhares com a sensação de que na face de cada pessoa, dois enormes ovos fritos marotos o fitavam.

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