quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Redescobrindo Aparecida

Desde 1993 que não faço promessas. Nada contra quem as faz, mas na hora do desespero eu exagerava tanto, que a última que fiz o padre não permitiu que a cumprisse e trocou por uma tarefa na paróquia. Rezo sim, agradeço e peço muito por todos os que me são caros, pelos aflitos, excluídos, pelos que pedem minhas orações, etc. 




Mas, no começo deste ano, num momento de desespero e dor, interagindo com minha irmã, me saiu, não sei como, nem de onde, uma afirmação categórica: "fique calma, confie, você vai se curar e eu vou levar seu cateter em Aparecida do Norte". Esqueci desse diálogo, ela se recuperou, e um belo dia me vem com o cateter, que eu nem sabia havia trazido pra casa. Diante do meu espanto, ela me lembra da promessa feita a ela. Agora só me restava cumprir o prometido.




Reservei-me o direito de ir a Aparecida sem pressa e lá estive nos dias 13 e 14 de agosto último, para rever o que já conhecia, conhecer o que faltava, sentir-me naquele chão sagrado, onde deságuam tantos pedidos, esperanças e especialmente agradecimentos. 

Desejava simplesmente estar ali, no meio da semana, sem o burburinho das multidões de romeiros; desfrutar do silêncio do santuário quase vazio sentindo a brisa que entra por aquelas imensas janelas de elemento vazado e faz com que a temperatura seja sempre agradável.



Refiz o trajeto da passarela entre a basílica nova e a antiga, lembrando das vezes anteriores que por ali passei, com marido, filhos e minha sogra, devota fervorosa da Senhora Aparecida, da qual mantinha uma imagem muito bem cuidada na cômoda do quarto.






Conheci o Museu, pouco divulgado, mas bem elucidativo dos usos e costumes daquela região; subi até o mirante, no 16º andar da torre, de onde se tem uma visão de 360° dos arredores; lanchei na Casa do Pão, onde tudo é muito bem elaborado ;estive absolutamente só na sala das velas, onde permaneci por longo tempo acendendo as velas de outrem, apagadas pelo vento e imaginando o significado místico de cada uma.










Matei a curiosidade e percorri os caminhos dos jardins do Monte Carmelo, onde esculturas em tamanho natural representam cenas bíblicas e da tradição local. Na paz daqueles dois dias, caminhei bastante, orei muito, e pude registrar com minha câmera, novos olhares sobre o centro da devoção à Padroeira do Brasil.














sábado, 9 de agosto de 2014

Barradas no baile, pero no mucho!

É engraçado, para não dizer triste, como estamos despreparados para receber turistas. Não sou uma viajante experiente, muito viajada, mas pelo pouco que tenho andado por aí, com olhar atento, vejo quão desperdiçado está o nosso potencial de belezas naturais, inexploradas ou exploradas mal e porcamente, só com vistas ao lucro imediato e sem senso de preservação e cuidado.



Mas o caso aqui não é esse. No hotel, os recepcionistas não sabiam informar sequer se havia restaurantes nas proximidades, além dos quiosques da praia, quanto mais fornecer informações sobre passeios, atrações locais, etc. Com nossa insistência, entregaram-nos um catálogo de fotos do litoral local. Escolhemos um que nos pareceu interessante e a informação era que se tratava de um restaurante à beira mar, localizado em um condomínio fechado, mas frequentado pelo público em geral. 

Nomes do restaurante e condomínio anotados lá vamos nós em busca da linha de ônibus que passava por lá. No ponto, um jovem simpático orientou-nos e lá fomos em direção a Ipioca, 18 km em direção norte, no litoral de Maceió. Ônibus comum, parando em todos os pontos nos permitiu ver um pouco daqueles bairros e daquela gente. 

- É aqui, informa o cobrador. Descemos e logo constatamos que não era ali. 

- Mais 5 km - informa o segurança do condomínio. 

Outro ônibus e vamos, agora não tão entregues à informação do cobrador. Incrível a falta de atenção do cobrador e motorista do primeiro ônibus. O empreendimento era anunciado em placas na estrada com 3 km de antecedência. Impossível não ver. 

Na portaria fomos barradas, pois era terça-feira e nesse dia, o restaurante é reservado para excursões dos hotéis e estava lotado. Mas nossos recepcionistas não sabiam disso! Chegam dois rapazes, que como nós queriam conhecer a praia. 

- É só conhecer a praia? Não vai poder entrar no restaurante nem para usar o banheiro... – alerta o segurança com certo ar de superioridade, e pede que nos identifiquemos na portaria. 

Com sede e vontade fazer xixi, é claro, depois daquela viagem toda, seguimos rumo à praia, pensando que, para tudo dá-se um jeito, menos para a morte, porque ela já é o jeito final. 


A praia, uma praia a mais do nosso belo nordeste. 


Infringindo as regras daquele lugar, uma ambulante vendia água, que imediatamente comprei e alugava guarda sol e cadeira, desnecessários, visto haver uma bem construída escada pública e a sombra dos coqueiros. De resto, nada que o generoso mar não resolvesse.


Lanchamos nossos próprios petiscos, afinal uma mulher prevenida vale por duas, imagine duas mulheres! Conhecemos mais um pedacinho do nosso chão, compramos delícias típicas da região, e nos divertimos com o sistema de "desconto" da loja. 


No caminho de volta, ainda pudemos fotografar, perdidos no alto de um morro, uma igreja, o busto e o marco indicativo de ser ali o local de nascimento de Floriano Peixoto, que dá nome àquele bairro. Tudo reunido em uma pequena praça, com mirante e vista para o mar. Detalhes bucólicos que não estão nos roteiros turísticos, e que nos revelam sem glamour, a singeleza de nossa terra e de nosso povo.



  

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Mais dia, menos dia, nossos caminhos se cruzam...

"É preciso voltar ao caminho que já se fez, para traçar caminhos novos ao lado dele. É preciso recomeçar a viagem.”(José Saramago)


Neste caso, a viagem foi a vida, o caminho que já se fez, a infância e a passagem para o recomeço,  o encontro com o casal de idosos, Ernesto e Ana, durante a visita ao projeto do peixe-boi.

Sentamos próximos no ônibus, do ponto de apoio até o projeto fomos no mesmo carro - ele na frente, ela ao meu lado no banco de trás, mas nada nos chamou a atenção, somente ao descermos do carro, ouvi Ana dizer, ao ajudar Ernesto: "estamos num chão de areia, um pouco recuados da guia". Ele agradeceu e então percebemos que é deficiente visual.

Embora o guia quisesse facilitar as coisas, Ernesto protestava alegremente, dizendo que fazia trilhas, mergulho, etc. e que queria participar de tudo como os demais. E assim foi. Ana era os olhos do marido e ele era todo atenção e entusiasmo.

No caminho de volta à base, conversando, descobrimos que tanto eles quanto eu, morávamos em São Paulo. "Onde"? Perguntei. "Ah, você nunca deve ter ouvido falar no bairro em que moramos, Rio Bonito, na antiga estrada do mesmo nome, próximo do clube de campo".

Um pouco mais de explicação e descobrimos que eles moram exatamente na área onde ficava a primeira escola onde lecionei, em 1965: a 3ª Escola de Emergência do Bairro do Rio Bonito. Viajei no tempo. O lugar, as crianças, a mata. Talvez nossos caminhos até tenham se cruzado...

Mas nem sempre moraram lá. Antes estiveram na Vila Mariana, quando em 1967, Ernesto foi trabalhar no Laboratório Ciba-Geiger, para implantar o processamento de dados. O Ciba, onde meu pai trabalhou durante anos. Mais recordações. O laboratório, os nomes dos diretores mencionados por meu pai. O Engenheiro Salzman, que trouxe da Suíça, a gaita de boca que meu pai tocou até seus últimos dias no hospital. Outro mergulho no tempo.

Falei da Rua do Níquel, onde fui criada e Ana exclamou: "eu conheço, fica perto da Rua da Prata, aonde ia sempre com minhas filhas, fazer compras no mercadinho do seu Antônio, onde encontrávamos produtos alemães e as meninas compravam guarda-chuvinhas de chocolate!". "Que delícia" exclamei, não pelos produtos, e sim pelas recordações, também nós comprávamos lá!

Mais um pouco de conversa e chegamos ao ponto de apoio. Já fora do carro, Ernesto nos reuniu e sorridente como sempre, agradeceu nossos comentários durante o passeio, pois através deles ele conseguiu "ver tudo".  Que pessoa fantástica!

E lá, naquela São Miguel dos Milagres, nas Alagoas, mais uma vez constatamos que não somos mais de 300 em nossos círculos e que mais dia, menos dia, nossos caminhos se cruzam e, dependendo do que fomos ou fizemos, poderá ser motivo de grande alegria, ou não.


segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Difícil foi ter que segurar e não abraçar aquelas criaturas


O dia prometia. Seriam 70 km em direção norte, ônibus fretado e depois poder finalmente conhecer o projeto de manejo do peixe-boi para reintrodução no seu habitat. 


No caminho, os canaviais como cabeleiras ondulantes sobre as colinas, compunham o cenário verde, iluminado pelo sol já alto, naquele paralelo 9, que nos acompanhava debaixo do céu do mais profundo azul.




Aos poucos, casas esparsas, povoados típicos do nosso nordeste se nos apresentavam à frente e revelavam sua gente, seus costumes. Uma capela, uma igreja do século XVII, e estamos em São Miguel dos Milagres, estado de Alagoas.


 Na sede do projeto, em Porto das Pedras, nosso instrutor, motorista e guia, repassa as instruções para a esperada visita. Tudo pronto, seguimos de carro até o início de uma trilha, ponto de partida de nosso destino.


 

Um privilégio estar ali, caminhar sobre aquelas palafitas no manguezal, observar os diferentes tipos de caranguejos coloridos, obras de arte do Criador, à porta de suas tocas, a nos observar; atravessar o Rio Tatuamunha e perceber na tranquilidade de suas águas e no olhar dos ribeirinhos, a certeza da segurança para os moradores mais ilustres e mais frágeis: os peixes-boi abrigados bem perto dali.


A embarcação - canoa, como a conhecem por ali, comporta oito pessoas sentadas, o guia em pé na parte da frente e dois remadores atrás. Na verdade, eles impulsionam o barco com varas, alternadamente apoiadas no fundo do rio. As visitas ao santuário são limitadas a poucas pessoas/dia, que não podem se aproximar da cerca interna, nem tocar na água ou nos animais, mesmo que, os que já estão soltos, venham até o barco.




A expectativa era grande. Nem sempre é possível ver o peixe-boi, mas como em todo o passeio, fomos privilegiados com a visão, não de um, mas dois belos exemplares que se aproximaram do barco e nos emocionaram com suas reviravoltas. Difícil mesmo foi ter que segurar e não abraçar aquelas criaturas tão dóceis e indefesas, com seus 300 kg de peso.

Mas os privilégios não terminam aqui. Outros fatos fizeram daquele dia uma ocasião mágica.


domingo, 3 de agosto de 2014

Um passeio inesperado


De repente lá estávamos, embarcados em uma "gaiola", rumo à foz do Rio São Francisco. As imagens dispensam as palavras, mas devo acrescentar a elas, uma poesia de Edna Lopes, que encontrei ao fazer uma pesquisa, ela fala por mim.



Rio São Francisco  


Rio São Francisco
Velho rio que ainda
Acolhe generoso
Quem dele se aproxima


Caminho às margens
E percebo vidas
Toco nos coqueirais
E mergulho na lenda




Deslizo nas dunas,
Aceno aos ribeirinhos e
Imagino histórias.
Observo as lavadeiras
E relembro seus cantos.





Penso no peixe, nas frutas
E no arroz irrigado,
Subsistência do Homem
Que vive do rio e para o rio.


Cumprimento o barqueiro
E o velho pescador de olhar sofrido,
Com a lembrança
Da pujança do rio de outrora.


Sinto, reconheço
A tragédia anunciada
No assoreamento
Do rio que agoniza


Velho, velho Chico
Encanto, saudade e pranto
De quem te sonhou
Crescente e te reencontrou minguante. 


Texto: Edna Lopes
Fotos: Lidia Walder