"É preciso voltar ao caminho que já se fez, para traçar caminhos novos ao lado dele. É preciso recomeçar a viagem.”(José Saramago)
Neste caso, a viagem foi a vida, o caminho que já se fez, a infância e a passagem para o recomeço, o encontro com o casal de idosos, Ernesto
e Ana, durante a visita ao projeto do peixe-boi.
Sentamos próximos no ônibus, do ponto de apoio até o projeto
fomos no mesmo carro - ele na frente, ela ao meu lado no banco de trás, mas
nada nos chamou a atenção, somente ao descermos do carro, ouvi Ana dizer, ao
ajudar Ernesto: "estamos num chão de areia, um pouco recuados da
guia". Ele agradeceu e então percebemos que é deficiente visual.
Embora o guia quisesse facilitar as coisas, Ernesto
protestava alegremente, dizendo que fazia trilhas, mergulho, etc. e que queria
participar de tudo como os demais. E assim foi. Ana era os olhos do marido e
ele era todo atenção e entusiasmo.
No caminho de volta à base, conversando, descobrimos que
tanto eles quanto eu, morávamos em São Paulo. "Onde"? Perguntei.
"Ah, você nunca deve ter ouvido falar no bairro em que moramos, Rio
Bonito, na antiga estrada do mesmo nome, próximo do clube de campo".
Um pouco mais de explicação e descobrimos que eles moram
exatamente na área onde ficava a primeira escola onde lecionei, em 1965: a 3ª
Escola de Emergência do Bairro do Rio Bonito. Viajei no tempo. O lugar, as
crianças, a mata. Talvez nossos caminhos até tenham se cruzado...
Mas nem sempre moraram lá. Antes estiveram na Vila Mariana,
quando em 1967, Ernesto foi trabalhar no Laboratório Ciba-Geiger, para
implantar o processamento de dados. O Ciba, onde meu pai trabalhou durante
anos. Mais recordações. O laboratório, os nomes dos diretores mencionados por
meu pai. O Engenheiro Salzman, que trouxe da Suíça, a gaita de boca que meu pai tocou até seus últimos dias no hospital. Outro
mergulho no tempo.
Falei da Rua do Níquel, onde fui criada e Ana exclamou:
"eu conheço, fica perto da Rua da Prata, aonde ia sempre com minhas
filhas, fazer compras no mercadinho do seu Antônio, onde encontrávamos produtos
alemães e as meninas compravam guarda-chuvinhas de chocolate!". "Que delícia" exclamei, não pelos produtos, e sim
pelas recordações, também nós comprávamos lá!
Mais um pouco de conversa e chegamos ao ponto de apoio. Já
fora do carro, Ernesto nos reuniu e sorridente como sempre, agradeceu nossos
comentários durante o passeio, pois através deles ele conseguiu "ver
tudo". Que pessoa fantástica!
E lá, naquela São Miguel dos Milagres, nas Alagoas, mais uma
vez constatamos que não somos mais de 300 em nossos círculos e que mais dia,
menos dia, nossos caminhos se cruzam e, dependendo do que fomos ou fizemos,
poderá ser motivo de grande alegria, ou não.
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