quarta-feira, 29 de julho de 2020

VIZINHOS

Houve um tempo em que morei em Mogi das Cruzes, desse tempo quero deixar aqui minhas lembranças



Moramos na Vila Lavínia em Mogi das Cruzes,  por quase cinco anos. Era um conjunto do BNH construído em quatro ladeiras que desembocavam na Avenida Francisco Ferreira Lopes na altura da Empresa de Mineração Caravelas Ltda.

Casas simples com quintal aos fundos e jardim na frente. Todas iguais. A nossa era a Rua B, a segunda à esquerda de quem vem do centro pela avenida.

Na rua A morava a S., uma professora que tinha um filho pequeno. Separada do marido, havia quem por ignorância e preconceito a difamava. Não teve dúvida: certo dia, pedagogicamente e com razão, quebrou a vassoura nas costas daquela, que com certeza aprendeu a lição.

Na minha rua, fomos os primeiros a chegar, seguidos das famílias de outros funcionários da Elgin, Brito/Amélia e Jairo/ Dora, e filhos, nas duas casas abaixo. Depois chegou a família da Cecília, vizinha da casa de cima.  Logo as quatro famílias se tornaram amigas e as crianças faziam a festa.

Em frente à nossa casa morava a dona Cesarina com a filha moça. Aquela, uma senhora simpática e prestativa que costurava e gostava de ensinar a fazer quitutes. Com ela aprendi a fazer Crostoli e bife à milanesa com farinha grossa. Muito bom.

Mais abaixo, dona Flora plantava aveia e cinerária para vender ao laboratório de homeopatia e seu Osvaldo, o esposo já aposentado, fazia pequenos serviços de pedreiro e pintura. A nossa salvação.  Também sabia fazer suspiros como nunca os vi.

A Diva, o Eugênio e um filho vieram de São Paulo como nós. Foi amor à primeira vista. Uma amizade daquelas que são para sempre, mesmo que a distância separe.

Jamais esquecerei da dona Linda e do seu Olavo. Não tínhamos amizade, apenas cordialidade de vizinhos, mas na rua diziam que eram muito unidos e que ela, vaidosa, sempre maquiada e bem vestida, o acompanhava nas pescarias e caçadas. Adoeceu, esclerose múltipla, e morreu em meus braços ao chegar com parada respiratória ao Hospital Santana, pra onde a levei ao socorrê-la.  Ficamos lá, naquele necrotério, só ela, eu e um bebê falecido, enquanto seu Olavo cuidava das providências necessárias. “Não deixa a linda sozinha” – me pediu.  Foi dele que ganhei o prato da foto. “A Linda iria gostar que ficasse com a senhora”, disse ao me entregar dias depois do enterro.

Depois que seu Olavo mudou, a casa foi comprada por um jovem enfermeiro do Hospital das Clínicas: Raimundo Nonato. Comprou um fusca, tirou carta, mas dirigia tão mal, que me pedia para pôr o carro na garagem quase todos os dias. Não podia dar certo. Morreu numa madrugada de neblina, num acidente com caminhão, na estrada de Jundiapeba.  A mãe veio de Belém do Para e ficou com a casa. Achávamos engraçado, por que quando a neblina cobria a vila no inverno, ela falava: “A “neve” seca lá de Belém é pior do que a daqui”.

Na Rua C, só conheci a espanholinha graciosa da casa que dava fundos para a minha, por causa de um acidente com a bebê de 40 dias, que se afogou com o chá e parou de respirar. Ela gritou por socorro e corremos à Clínica São Nicolau com a criança ficando cada vez mais roxa e ela gritando. Uma pronta e rápida aspiração e lá estava a garotinha viva, rosada, e nós duas chorando. Foi a única vez em que conversamos, mas ao deixá-la em casa vi os lindos móveis de madeira entalhada, feitos pelo pai dela, como me contou.

A dona Ivete e a filha moravam na última rua. Conversávamos na rua, às vezes, sobre trabalhos manuais e receitas. Não era amizade, mas fiquei muito abalada quando soube que, naquele incêndio do Joelma em 1974, morreu a nora dela grávida.  Havia ido ao prédio para fazer os acertos da rescisão do seu contrato de trabalho.

Fomos os primeiros da nossa rua a comprar carro e eu já tinha carta, por isso era quem corria quando alguma emergência aparecia.
Enquanto moramos naquela vila, nasceram muitas crianças filhas de nossos vizinhos e amigos, inclusive meu terceiro filho, o Walter, primeiro mogiano da família.

Ao revisar este texto, muitas lembranças vêm à mente, mas deixarei para outras ocasiões; são muitas emoções para um dia só.

De como fui parar em Mogi das Cruzes

Houve um tempo em que morei na cidade de Mogi das Cruzes e 
desse tempo quero deixar aqui minhas lembranças


No final da década de 60 meu marido trabalhava no escritório da Elgin Máquinas, que ficava na Av. Barão de Limeira, na cidade de São Paulo.  Tínhamos uma filha, Maria Cristina, com 3 anos, eu estava grávida, trabalhava como professora substituta numa escola de emergência e havia prestado concurso para o magistério público do estado de SP.

1970. Em maio nasce meu filho José Claudio. Logo depois a Elgin transfere toda parte de escritório para Mogi das Cruzes e quase concomitantemente sai o resultado do concurso. Aprovada, deveria escolher classe como professora efetiva. Marido transferido para Mogi, devíamos nos mudar e a minha escolha seria uma escola daquela cidade.

Nessa época, entrei para a auto escola. Embora não tivéssemos carro, meu sonho era aprender a dirigir.

Num sábado, acho que era agosto, meu marido nos levou para conhecer Mogi. Fomos de trem, que convenhamos não era um bom cartão de visitas, com aqueles vidros quebrados e as portas que não fechavam direito.  O tempo estava quente e seco e ao chegarmos ventava muito levantando poeira e fazendo voar papéis que estavam espalhados. Estava muito desagradável para andar com duas crianças. Demos umas voltas próximo à estação e em uma praça e voltamos para São Paulo. A primeira impressão da nova cidade não foi boa. Mas o que não tem remédio, remediado está.

A data para a escolha de escola aproximava-se. Como escolher sem conhecer nada?  Meu marido falou com a sua secretária na Elgin e ela gentilmente fez uma relação de escolas por ordem “de bom ambiente de trabalho e boa direção”, de acordo com a orientação de uma parente sua que era professora. Nunca conheci nem uma, nem outra, mas sou eternamente grata pela ajuda.

No dia marcado lá vou eu com uma lista de cinco escolas. Estava bem classificada, mas limitada nas possibilidades de escolha. Mas, como o que é do homem o bicho não come, na minha vez, lá estava ela disponível, a primeira opção da minha lista: Grupo Escolar Rural Antônio Olegário dos Santos Cardoso. Bingo!  As coisas começavam a se encaixar.

Finalmente, em setembro de 1970, seguimos de mudança para Mogi das Cruzes. A casa ficava no bairro do Socorro, um sobrado muito confortável. Ali ficamos apenas três meses, pois logo compramos a casa do BNH na Vila Lavínia, para a qual mudamos em dezembro. “Aluguel só é bom para quem o recebe”, dizia meu avô e meu pai.


Nessa casa festejamos em 12 de outubro o 4º aniversário de nossa filha com a presença dos avós e tias; recebemos minha amiga Lúcia de São Paulo para que o noivo que havia passado no vestibular, tomasse banho e tirasse toda tinta jogada nele pelos veteranos. Veio também a minha prima Márcia que apareceu por conta do aniversário de nossa avó que estava conosco.

Nesses dias havia um parque de diversões em Mogi e aproveitamos para dar uma volta por lá. Fomos todos, inclusive a avó e a prima. Foi bem divertido, especialmente por que ganhei um elefante de pelúcia no tiro ao alvo de rolha. Sim, eu tinha boa pontaria. Azul, enorme, sentado o bicho era mais alto que minha filha.

No dia 13 de outubro fiz em São Paulo meu exame de motorista e conquistei a desejada CNH.

Em dezembro mudamos para a casa da Vila Lavínia. Ainda não conhecia a escola onde em fevereiro deveria começar a lecionar. Sabia que ficava na zona rural, que não havia condução regular para lá. Ou se ia de carro, carona com o caminhão do leite ou com o único ônibus da Eroles que saía de Mogi às 6h. 

Logo no começo de janeiro compramos um fusca 66, azul jeans e, por ocasião do aniversário de minha sogra, no dia 16, que sempre passava a data conosco, fizemos um passeio para conhecer a escola. Grupo Escolar Rural Antônio Olegário doas Santos Cardoso - Adachi.

Segui pela Av. Japão como me ensinaram, deixando a cidade para trás pelo caminho que ainda era de terra.  Encantavam-me aquelas imensas áreas de campos, com casinhas aqui e ali. Tudo muito deferente daquilo com que uma paulistana nata como eu estava acostumada.   Depois de certo ponto, a vegetação ficava mais densa e na altura do Oropó, atravessei a pequena ponte sobre o Rio Jundiaí, passei por algumas plantações de pessegueiros e logo estava diante da escola.

Um cenário nunca pensado por mim. Prédio rústico, telhado com madeiramento de eucalipto exposto, em meio a um enorme terreno todo aberto, com outra construção mais adiante, rodeado de plantações e só. Era o período de férias, estava todo fechado. Nem uma alma por ali. O mato crescia próximo ao muro da varanda que tomava toda a frente do prédio.

Desci do carro e fui em direção à escada de acesso ao prédio onde fui recepcionada por uma cascavel que ali tomava sol e, importunada com a minha presença, começou a descer os degraus. Como num passe de mágica estava eu dentro do carro, motor ligado, saindo daquele lugar.

O prédio principal era composto por 5 salas de aula, onde funcionavam classes do pré à 4ª série, apenas no período da manhã, sala dos professores e diretoria. Na lateral direita ficavam dois banheiros rústicos e a cozinha, esta com fogão à lenha e que dava para um galpão coberto.

No primeiro dia de aula encontrei tudo bem cuidado, limpo, mato roçado, nada de cobras. A recepção não poderia ter sido melhor. O diretor, professor Sylvio Takahashi, muito simpático, acolhia as professoras, as crianças e seus pais e apresentava a novata, eu, a todos.

Desse dia lembro da Rose, professora da 1ª série, Stella, do pré, José Fonseca, professor da 4ª série, dona Antônia, a servente, uma senhora gorda e simpática e da Benedita, a merendeira, das mãos de quem comi muitos quitutes naquela escola. Estavam lá outras professoras cujos nomes me fogem. Foi-me atribuída a classe da 2ª série.

Nesse dia encerrava-se o ciclo de minha chegada a Mogi e começava uma nova etapa na minha vida, agora com casa, emprego, carro, habilitação e amigos.









sexta-feira, 24 de julho de 2020

O BARATO SAI CARO, já dizia minha mãe

Houve um tempo em que morei na cidade de Mogi das Cruzes e desse tempo quero deixar aqui minhas lembranças.


Agosto de 1975



Morávamos na Vila Lavínia, Mogi das Cruzes, num conjunto do BNH, desde 26 dezembro de 1971. Lembro a data por causa do Natal e por que passamos o dia a pão e vinho, como o Marcelino.  A filha foi para a casa de amigos e o bebê apenas tomava mamadeira. A casa era boa, mas eu queria uma com mais quintal, com terra para plantar. 

Depois de muita procura, finalmente achamos a casa dos meus sonhos, ou melhor, que viria a ser. A casa da Rua Taiaçupeba, hoje José Cury Andere, Alto do Ipiranga.

Terreno grande, parte de uma chácara, casa inacabada, sem muro na frente. O preço “galinha morta” no jargão imobiliário e com bons motivos: ali havia sido assassinado um rapaz, como comentavam. Mortos são mortos, vivos é que me metem medo. Muitas histórias nessa casa, mas aqui quero lembrar o dia da mudança.

Nossas coisas eram poucas e a situação financeira não era lá essas coisas.  Meu esposo conseguiu junto à Elgin, onde trabalhava, um caminhão emprestado com motorista e dois ajudantes.

Rapidamente chegamos à nova casa e acomodávamos as coisas que eram trazidas pelos carregadores, quando um barulho estranho acompanhado de gritos chamou nossa atenção.

Corremos à frente da casa e o cenário era assustador. O caminhão sem freios desceu de ré, arrastou nosso fusca velho que virou em direção à lateral do terreno, rebaixado para ser garagem e caiu no buraco, servindo de apoio e não permitindo que o caminhão derrubasse a parede do vizinho.

Sem maiores tragédias, passado o susto e descarregadas as poucas peças que restavam, o caminhão se foi com seus ocupantes completamente embriagados, pois como constatamos a seguir, as poucas garrafas do nosso barzinho haviam sido todas esvaziadas no breve trajeto entre as duas casas.

Fotos: A casa que foi nossa e o trecho da rua, como estão agora. Extraído do google maps.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Tudo pode ser sorte ou azar, depende do que vem depois


Houve um tempo em que morei na cidade de Mogi das Cruzes e desse tempo quero deixar aqui minhas lembranças.


31 de dezembro de 1978

O caçula, onze meses, estava com mais uma de suas crises de bronquite. O calor úmido de Mogi das Cruzes não é para os fracos, já dizia o saudoso pediatra Dr Jorge Nassu.  Fomos todos ao Pronto Socorro da Santa Casa. E ali foi nosso réveillon com o pequeno na inalação.

Chegamos em casa na primeira hora de 1979 e do portão ouvíamos o toque do telefone. Tocou e parou algumas vezes até que abrimos todas as portas e chegamos até ele.

Era da paróquia do Jardim Universo, do nosso amado Padre Orfeo. Uma voz afoita perguntava se estávamos com os nossos talões da rifa que havia corrido há pouco pela Loteria Federal. Sequer lembrávamos da existência deles. Não. Não estavam em casa.

No sábado, dia 30, data final para prestar as contas, meu esposo, que havia vendido apenas um número (eram dois talões com dez números cada) havia feito o acerto – um baita prejuízo - mas os talões ficaram no escritório da Elgin.

A pessoa ao telefone dizia que pelo que constava na prestação de contas o número ganhador estaria em nossos talões e se assim fosse, a pessoa deveria ir receber o prêmio.

Ansioso – e se o ganhador fosse o único número vendido? -  lá vai meu marido à Elgin àquela hora, resgatar os talões e constatar que sim, ele havia sido o feliz ganhador de um Fusca Amarelo, 1978, 0km.

Uma triste cena


Houve um tempo em que morei na cidade de Mogi das Cruzes e desse tempo quero deixar aqui minhas lembranças.

Era a década de 70, eu morava na Rua Taiaçupeba, Alto do Ipiranga, Mogi das Cruzes em uma pequena chácara. Naquele enorme descampado nossa casa era separada do cemitério “dos pobres” pela casa vizinha à nossa e por um grande vale de mato rasteiro.

No afã de preparar a terra para fazer a horta, ia sempre a uma madeireira que ficava no bairro da Vila Industrial, no outro lado da cidade, para pegar serragem. Numa das vezes em que voltava de lá, com meu velho fusca 77, ao iniciar a subida da ladeira que levava ao cemitério, deparei-me com uma cena que jamais podia imaginar ter à minha frente, vivendo como então vivia em uma cidade de porte médio.

A avenida praticamente deserta, pois além das poucas casas existentes por ali, ela levava apenas ao cemitério e à Usina de Asfalto da Prefeitura. O céu encoberto e a manhã fria tornavam aquele cenário mais triste. Na calçada da direita, um homem humildemente vestido caminhava lentamente, cabisbaixo, levando algo debaixo do braço que me fez parar o carro para conferir se realmente era o que eu achava que estava vendo. Era. Um pequeno caixão funerário branco. Alinhei o carro com o homem, parei, desci e abordei-o perguntando se me permitia levá-lo.

O cemitério distava dali aproximadamente um quilômetro. Nem pensei na situação do carro, lotado de sacos de serragem e bem sujo, pois era muito utilizado para transportar materiais de construção. Isso tudo sem falar da minha aparência – vestida como estava com roupas de trabalhar na terra, velhas e sujas.

Limpei o banco do passageiro da melhor forma que pude, segurei aquele triste invólucro enquanto o homem se acomodou, daí coloquei em seu colo e seguimos.

No breve trajeto ele me contou que o bebê falecera logo após o parto, muito complicado, que a esposa estava internada e não passava nada bem e que ele não tinha dinheiro para providenciar o enterro. Ganhou o caixãozinho e com a ajuda das enfermeiras arrumara o anjinho, fechara e agora levava para que fosse sepultado.

Chegando lá, segurei novamente aquela preciosa carga, enquanto o pai descia do carro e o acompanhei até a administração para checar se tudo daria certo. Confirmado, segui para casa onde tinha meus filhos, afazeres e horários a cumprir.

Já vi muita coisa triste nesta vida, passei por momentos dolorosos, mas nunca vivenciei uma solidão tão grande e tão dolorida como a daquele jovem pai.