quarta-feira, 30 de março de 2011

Águas de março e outras águas

Todos os dias, as diferentes mídias despejam em nossas mentes enxurradas de informações sobre fortes chuvas que castigam a cidade e seus arredores. Por aqui, os corações vivem em sobressalto, estamos numa área com grande potencial para alagamentos. Aí, como não poderia deixar de ser, vêm à lembrança, as inúmeras vezes que fomos vítimas de grandes enchentes e, em especial, a primeira delas.


Novembro, 1961, o dia não lembro. Fomos em excursão ao Museu do Ipiranga com a escola. Um dia especial. Na volta para casa, o bonde Santo Amaro – Praça João Mendes parou inexplicavelmente na altura da bifurcação Adolfo Pinheiro com Vereador José Diniz (acho que não tinha esse nome, pois o José Diniz, Zé da farmácia, era vivo. Essa é outra história).


A tarde estava quente e ensolarada. Sem energia elétrica, o jeito era caminhar acompanhando os trilhos. Ao chegar à Parada Petrópolis, observei um pouco adiante, uma movimentação inusitada. Olhando barranco abaixo, não vi a vegetação das várzeas do Córrego do Cordeiro. Tudo estava alagado.


Não chovia e o imenso espelho d’água, que já atingia nossa casa, refletia o sol da tarde daquela primavera que já se despedia. Corri. Quando cheguei o quintal, o galinheiro e a horta estavam submersos. Meu pai salvava as galinhas e as lebres. Tirei o uniforme e ao descer a escada, deparei-me com aquela água barrenta e fétida que inundava a casa, atingindo o quarto degrau e ali à frente, cobrinhas, ratos e outros bichos nadavam num “salve-se quem puder!”. Medo. Nojo... Era mister ajudar no rescaldo de nossos pertences.


O Córrego do Cordeiro deságua no rio Pinheiros e tem sua nascente na região de Diadema, onde um temporal arrasara tudo. Sem solo poroso para absorver as águas e com acúmulo de lixo sob a ponte da linha do bonde, a água escoou pelo leito do córrego, o mesmo córrego, onde anos atrás eu brincava e pescava lambaris, e a enchente se fez, sob o sol daquela tarde.


Em 1966, outra, muito maior, aconteceu numa manhã de domingo, no mês de março. Eu morava então na Rua da Prata, no andar superior de um predinho de dois andares. Grávida, ilhada no minúsculo apartamento em companhia das vizinhas mais próximas, que com os filhos buscaram abrigo. A água escondeu as janelas das casas térreas. Faltaram dois degraus para entrar em meu apartamento.


Outras enchentes assolaram a Vila Carmen durante muitos anos e ainda hoje, apesar da canalização do Córrego do Cordeiro e da construção de galerias subterrâneas para escoamento das águas, ainda ocorrem alagamentos que prejudicam o trânsito e causam transtornos aos moradores e passantes da região.


Março já se vai e com esse friozinho agradável e bem vindo que nos acolhe nesta manhã vem a esperança de que mais uma vez o tempo das águas se despede e dará trégua aos nossos sobressaltados corações.

domingo, 27 de março de 2011

LEDO ENGANO!

Minha amiga Cleide, já falecida, contava-nos esta passagem de sua vida e em certa ocasião, autorizou-me a participar de um concurso de crônicas com sua história e eu fui premiada.


Era uma excelente professora da Rede Pública Estadual, em São Paulo. Alegre, descontraída, boa amiga, lecionava para crianças que apresentavam necessidades especiais.Solteirona convicta, mais solteirona que convicta, dedicava-se com amor e carinho, aos filhos que Deus dera às outras e a um bando de cachorros e gatos que inexplicavelmente lhe deitavam à porta.


Por mais que desse trato à bola, não chegava à conclusão nenhuma sobre o porquê de tantos animais abandonados bem ali. Com tantas casas vizinhas, cheias de crianças sorridentes, que adoravam animaizinhos, era ali, e somente ali, que as pobres criaturinhas eram deixadas. Enfim, se vinham a ela, ela os acolhia e pronto.


Se não estava preparando as aulas, estava lavando, escovando ou levando para passear um ou outro animalzinho de seu numeroso acervo. Mas, como não só de cães e gatos vive o homem, e “a esperança é a última que morre”, a da nossa professorinha ainda estava bem viva e ela mantinha-se sempre alerta, à espera de que de uma hora para outra, seu príncipe chegasse, apesar das já transcorridas muitas primaveras.


Não era de hoje esse seu afã casadoiro.Datava da longínqua adolescência, quando então já recorria a simpatias para conseguir o tão sonhado matrimônio. Em certa ocasião, furtou uma imagem de Santo Antônio, da preciosa coleção de imagens barrocas da tia predileta, durante a mudança desta do Belém para a Vila Mariana.


- Santo Antônio... Santo Casamenteiro... Roubar sua imagem é fórmula infalível para arranjar marido. Infalível. Será?


Isso agora já fazia parte do passado. A imagem jazia esquecida, dentro de uma gaveta. O importante era cuidar com dedicação e carinho dos animais desamparados.


Um belo dia, sempre tem um belo dia, adoece-lhe a tia, aquela da mudança e da coleção de imagens e, a nossa dedicada professora transfere-se com cães e gatos para a residência da enferma a fim de prestar-lhe assistência. Conversa vai, conversa vem, arruma daqui, limpa dali, e eis que nossa personagem depara-se com a coleção de imagens da devota senhora. Pensando em agradá-la, puxa assunto com uma das peças nas mãos:


- Bonita esta imagem de São Francisco, padroeiro e protetor dos animais, não é tia?


- São Francisco?! Que nada, minha filha. Esse aí é Santo Antônio. São Francisco me sumiu naquela mudança que fizemos para a Vila Mariana. Você está lembrada? De repente, como se um raio a fulminasse, tudo ficou claro diante de seus olhos. São Francisco, coitado! Todo empoeirado, abandonado na gaveta, desprezado; aquela bicharada toda espalhada pela casa e casamento, nem em sonho...

sexta-feira, 25 de março de 2011

Ainda as flores...

Acho que é hereditário, genético, sei lá, mas, como minha mãe, me ligo muito em flores e por falar em ligar, sempre há flores relacionadas às minhas lembranças.

Tenho uma bromélia rosa com pingentes azuis projetados como se quisessem ser melhores que as pétalas. Não entenderam ainda que o conjunto harmônico é que dá a beleza perfeita à flor. Ganhei da minha filha, Maria Cristina, num dia das mães, não me lembro o ano, mas sei que faz muito tempo: meu filho Paulo estava vivo e também me dava flores.

Tive um vaso de bico-de-papagaio. A Jacira, minha amiga, que me deu. Lembro muito bem: foi num dia de agosto de 1988, logo depois que terminamos a reforma do apartamento, para tentar apagar as marcas da tristeza da perda do José Claudio. Como se fosse possível amenizar a dor da perda de um filho com a mudança do cenário. O bico-de-papagaio cresceu e mudou-se para o jardim de minha mãe, onde reinou absoluto por exatos 20 anos.

Nesse mesmo jardim, ainda existem flores que plantei quando criança, como as violetas, não as africanas, não. Aquelas azuis, modestas, dos perfumistas, que tímidas, se escondem debaixo das folhas, mas pelo perfume, sempre são encontradas e até estrelaram o filme, “La violetera” -lembram-se? Vendidas e cantadas por Sarita Montiel – “Como aves precursoras de primavera en Madrid aparecen las violeteras”. Como eu, gostam de sol e muita água e foram na infância, as escolhidas para presentear as professoras. E, como professora que fui, a cada final de ano voltava para casa carregada de flores. Demonstrações efêmeras de carinhos eternos.

Um dia fui visitar uma amiga enferma em fase terminal, a Therezinha – com Th. A casa, um antigo sobrado e acompanhando a escada do térreo ao piso superior havia uma ampla janela com vitral, diante da qual desciam como cascata, as folhas de uma samambaia cujo vaso pendia do teto. Samambaia de metro. Nunca mais vi outra com folhas tão longas. Nunca mais vi a minha amiga, mas toda vez que olho para uma samambaia de metro, lembro dela, da casa, da excepcional planta. E lá se vão quase quarenta anos!

Samambaia me lembra Xaxim, os meus xaxins, hoje mais altos que eu, eram apenas mudinhas quando os recolhi dos destroços da abertura da Rodovia Mogi-Bertioga, lá bem no topo da serra, de onde, num tempo em que eu era feliz, podia ver o mar acompanhada da algazarra dos filhos à minha volta.

Com as rosas não tenho afinidade, são exuberantes, mas têm espinhos.

Para terminar, alguma coisa acontece no meu quintal: as Damas da Noite, as preferidas da minha mãe, estão na quarta florada de dezembro para cá. Nada usual, geralmente têm duas floradas nesta época. Será que tentam me dizer alguma coisa?

quinta-feira, 17 de março de 2011

Sem tirar onda com ninguém

Acho que estou ficando velha, ou, quem sabe, apenas distraída. Outro dia busquei desesperadamente por umas fotos batidas em 19 de agosto, as quais não se encontravam no chip da câmera digital, nem salvas no micro. Precisava delas para uma tarefa importante.

Consultei um fotógrafo profissional sobre como recuperá-las. Fácil. Bastava levar o chip até sua loja e ele regataria todas as 60.000 já deletadas, pela módica importância de 0,35 cada. Gastaria aproximadamente R$ 21.000,00, para recuperar 2 fotos que fiz como voluntária.

Tentei resolver com minha grande amiga e técnica em informática, a Paty. Recomendou-me um programa de recuperação de fotos deletadas. Funcionou lindamente, mas as fotos que eu precisava não apareceram. Lei de Murphy?

Dias depois, fui ao banco resolver um problema com a senha do cartão. A funcionária, Carolina – um anjo de paciência e competência – tentava em vão fazer com que o sistema aceitasse a senha que ele insistentemente anunciava bloqueada.

Quase uma hora no banco, muitas idas e vindas até o atendimento eletrônico, trocas infinitas de senhas, eis que o mistério se soluciona: fornecera o número da conta de minha mãe e tentava fazer o sistema atualizar a minha senha. E, como rir é o melhor remédio, pedi desculpas à gentil Carol e rimos muito juntas.

Ah, sobre as fotos, descobri que não fui eu quem as bateu, foi um amigo que compartilhava o evento e que ao me ouvir mencionar o desastre, questionou:

-Por acaso não seriam as fotos que lhe enviei por email?

Só resta juntar-me às colegas de Academia e solidariamente trocar opiniões sobre nossas limitações – a perna esquerda é a que fica do lado esquerdo, mas de frente ou de costas? Como o seu braço direito está de frente para o meu esquerdo? Ou refletir sobre nossos esquecimentos: um dia o pente, outro a toalha de banho, o sabonete, a bengala e até a calcinha (nem sempre tão inha...). Tudo com muito deboche, ego massageado e alegria de viver.

Afinal “não é qualquer um que chega à melhor idade (para os médicos, laboratórios farmacêuticos...), “com este corpinho sarado, dando de dez nessas garotas de umbiguinho de fora e com toda esta disposição!” e olhe que não estou me gabando, foi o simpático e divertido cobrador do micro ônibus, que soltou essa pérola, ante o meu pedido para descer pela frente com o RG em punho, e ainda gritou pela janela do coletivo, depois que desci: “65?! Tá tirando onda com a minha cara?!”

quarta-feira, 16 de março de 2011

Das névoas da minha infância...

Todas as tardes ele passava por ali acompanhado do cão, preso a uma coleira improvisada. Debaixo dos trajes, andrajosos e imundos escondia-se uma bela figura masculina, ou melhor, o que restara dela. Olhos profundamente azuis, cabelos grisalhos, barbas longas e embaraçadas, lembrando a figura de um Noé.

Não fixava o olhar em nada nem em ninguém. Caminhava devagar, numa marcha cansada e monótona, como se fosse puxado pelo cão. Pensamentos profundos absorviam-lhe a atenção e davam ao seu olhar um ar baço e distante. Apesar da aparência e do mal cheiro, não inspirava medo.

Em todos aqueles anos em que desfilou pelas ruas do bairro, essa dupla bizarra manteve-se silenciosa como se entre eles, homem e cão, houvesse um mórbido pacto.

Quando algum menino mais atrevido ousava dirigir ao mendigo alguma ofensa, ou atirar pedras no cão, simplesmente recuava e ignorava o atrevimento. Nunca respondia. Nunca revidava. Os transeuntes que o conheciam é que vinham em sua defesa.

O cão era um vira-latas pequeno, de pelo curto e cor indefinida mas com personalidade marcante. Marchando com altivez à frente do seu amo e senhor, ele era todo orgulho e felicidade. De cabeça erguida, movimentava-se olhando para os lados abanando incansavelmente a pequena cauda, como a demonstrar aos passantes, a honra de pertencer a tão nobre figura. Compunha com o dono, um conjunto único, rítmico e harmônico.

Motivos para tal orgulho os tinha de sobra. Era amado e tratado com desvêlo. Nunca fora maltratado e tudo o que aprendera fora às custas de carinhos e alimentos. Alimentos esses, conseguidos muitas vezes nas latas de lixo é bem verdade, mas afinal, isso não importa quando a mão que oferece é sincera e amiga.

Bernardo,esse era o nome do mendigo, freqüentava o botequim, apenas porque ali recebia uma refeição por dia, o que lhe garantia a sobrevivência. Sua e do cão. Nunca pediu nem aceitou bebidas alcoólicas.

Um dia, não sei bem quando foi, escutei uma conversa entre minha mãe e uma vizinha, por ocasião de um alvoroço na rua de casa.

Alguns meninos, armados de atiradeiras, jogavam pedras no cão de “seu” Bernardo. O pobre homem desesperado, tentando socorrer o animal, fora atingido por um petardo na testa e sangrava abundantemente. Os homens que se encontravam no bar próximo, saíram à rua, espantaram os meninos e tentavam socorrer o ferido que debatia-se para livrar-se deles, dispensando sua ajuda , como se ela o ultrajasse.

Formou-se então um grupo de mulheres curiosas com crianças agarradas às saias, que comentavam indignadas a maldade ali praticada. Quando a situação acalmou-se, ficaram no local apenas minha mãe e uma vizinha. Deu-se então uma conversa que chamou-me a atenção e impressionou-me apesar de minha pouca idade e do fato de não atinar com o alcance da tragédia que ela encerrava.

Segundo aquela senhora, Bernardo fora um dos primeiros moradores do bairro. Um jovem e brilhante advogado que construíra ali uma bela casa, muito bem localizada, num terreno todo ajardinado.

Filho de imigrantes alemães que se instalaram no sul do país no começo do século, Bernardo concluíra os estudos até o segundo grau em sua terra natal. Depois viera para São Paulo para cursar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Aluno exemplar, rapaz de boa formação e caráter, chamou logo a atenção dos professores que acompanharam-no durante o curso e o ajudaram no início da carreira. Assim, logo após a formatura, assistida com orgulho pelos pais, foi convidado a trabalhar no escritório de um de seus professores. Aprendeu logo os segredos do ofício e não lhe foi difícil, em bem pouco tempo, montar sua própria banca e conquistar uma boa clientela que lhe garantia uma vida segura e confortável.

Foi nessa ocasião que comprou o terreno no bairro e iniciou a construção da bela propriedade da chácara, como era conhecida sua residência. Esse foi seu primeiro sonho a se realizar, sonho que brotara do amor que sentia por Mariana, sua noiva, uma jovem que conhecera na biblioteca da faculdade.

Logo após a formatura, realizou-se o casamento, numa pequena capela, escolhida pela noiva, numa cerimônia simples e comovente. Mariana era finalmente sua, de corpo e alma. Bernardo sentia-se o mais feliz dos mortais.

Tudo era novo. A casa, o bairro, a vizinhança, as sensações. Ah! As sensações! Não ser mais sozinho, poder compartilhar os sonhos, as alegrias, os carinhos e os prazeres. Era tudo o que desejara, e mais, muito mais.

Dois anos depois do casamento, num típico dia de inverno paulistano, frio e garoento, nasceu Karin, trazendo consigo calor suficiente para aquecer seu coração naquele momento e em todos os invernos de sua vida. Sentia-se completo agora.

Com tanta felicidade, Bernardo vivia intensamente a vida pessoal e profissional. Era agora um esposo realizado, um pai orgulhoso e um advogado bem sucedido. Confiante no futuro e embriagado com as alegrias que este lhe reservava, não percebeu quando a chama do amor de Mariana já não ardia tão intensamente, ou, se percebeu, atribuiu a mudança à própria evolução da vida familiar, agora repleta de situações novas e muitas responsabilidades. A filha que crescia e desabrochava, solicitando da mãe mais cuidados; os trabalhos domésticos que aumentavam com o aumento da família; seu sucesso profissional que lhe absorvia muito tempo e roubava-o do convívio do lar. Em seu coração jamais brotou a semente da desconfiança.

Quando naquela tarde retornou à casa mais cedo do que de costume, em busca de alguns documentos que esquecera pela manhã, não estranhou a presença de um veículo estacionado próximo ao portão de sua casa. Entrou naturalmente como fazia todas as tardes. Estranhou sim, não encontrar Mariana na sala de estar com o bordado nas mãos e a filha a brincar por ali, com a boneca de louça francesa. Preocupado, dirigiu-se para o interior da casa à procura delas.

A porta do quarto do casal estava entreaberta e através do vão pode ouvir vozes abafadas. Aproximou-se mais, intrigado com o inusitado da situação. Agora ouvia bem as vozes, ou melhor, entendia o que se passava. E como entendia!

O chão sumiu-lhe sob os pés. A vista escureceu e uma forte vertigem quase o atirou ao solo. Um furor incontrolável subiu-lhe à cabeça, obscurecendo a capacidade de raciocinar. As vozes continuavam. Eram sussurros entremeados de risos. Feriam seus ouvidos e penetravam em sua cabeça como a lâmina de um punhal.

Queria entrar naquele aposento, gritar, xingar, espancá-los, matá-los. Matá-la! Não conseguia mover um músculo, preso ao chão como estava. Numa fração de segundo toda a sua existência passou-lhe diante dos olhos injetados de ódio e dor.
Muito mais dor que ódio.Não podia acreditar. Sua Mariana não seria capaz daquilo!

A torpeza daquela situação manteve Bernardo imóvel, estarrecido, durante uns poucos minutos. Ao passar o torpor, virou-se e lentamente dirigiu-se à porta da sala. Quando chegou ao portão já não era o mesmo homem. Tudo nele se desintegrara.

Como um autônomo, saiu caminhando sem destino. Perambulou durante horas pelas ruas desertas. Não sentiu o vento forte nem o temporal que se abateu sobre a cidade naquela noite. Andou. Andou até chegar à exaustão.

Foi encontrado pela manhã, por operários que se dirigiam ao tabalho, desmaiado na sargeta, com o elegante terno de linho branco enxarcado de lama. Socorreram-no e o conduziram a um hospital próximo, onde internado como indigente custou muito a se recuperar de uma grave pneumonia. Após algum tempo transferiram-no para um hospital psiquiátrico. Não queria viver, não tinha mais razões para viver.

Nunca mais falou. Não manchara as mãos,mas morrera para o mundo.

Quando anos mais tarde apareceu perambulando pelas ruas do bairro, algumas pessoas que o reconheceram tentaram trazê-lo de volta à vida normal. Tudo em vão, o vínculo que o ligava a seus semelhantes desaparecera. O único laço que o prendia agora ao mundo dos vivos, era aquela coleira improvisada do cão, companheiro de infortúnio que encontrara abandonado na porta do hospício, quando recebera a alta.

Logo que o viu, o animalzinho esquálido e faminto correu a lamber-lhe os pés e passou a seguí-lo por toda parte. No princípio ignorava-o, mas, certo dia ao vê-lo maltratado por transeuntes, defendeu-o, tomou-o sob sua proteção, colocou-lhe a coleira e nunca mais se separou dele.

Quando voltou ao bairro, Mariana e Karin já não moravam mais ali. Comentava-se que as duas mudaram-se para a Europa em companhia de um senhor muito rico, que ninguém por ali conhecia.

A casa, a linda casa da chácara, nada mais era agora do que escombros. Ali, entre aquelas ruínas, Bernardo passava as noites com o cão e como uma alma penada, arrastava-se por onde outrora fora o jardim florido de Mariana.

De vez em quando, algum transeunte noturno menos avisado, parava curioso em frente àquela propriedade abandonada e não raro divisava na escuridão uma figura estranha, que se movia lentamente por entre o mato crescido, acompanhado por um cão e que, de vez em quando, abaixava-se e num gesto imaginário apanhava uma flor que não existia, beijava-a e a entregava para alguém que também não se encontrava ali.

Nesses raros momentos, quando havia luar suficiente, o observador mais atento podia ver uma caricatura de sorriso esboçando-se em seu semblante e por alguns segundos ter a impressão de que Bernardo era um homem são e feliz.

domingo, 13 de março de 2011

O lugar

Natureza pura, inexplorada. Coberto pelas marés a maior parte do tempo renova-se a cada estação. Aprendi com ele uma lição: “Não importa a força do mar que nos atinge, somos capazes de superar e renovar com as cores que a vida oferece. E, as paisagens que já descoloriram permanecerão gravadas para sempre em nossos corações". Guarapari – ES - 12/10/1999

sábado, 12 de março de 2011

Blog do Aeroclube de Rio Preto, concorrerrá a Prêmio Internacional 2012

Blog do Aeroclube de Rio Preto, concorrerrá a Prêmio Internacional 2012 de Apoio à Formação de Aviadoras.

Contado pelo editor do blog:

“Mireille Goyer (foto), chefe da equipe internacional do programa Semana da Mulher de Aviação, enviou e-mail ao editor do blog - o Bob (eu!!!) -- nesta quarta-feira, 9 de março.

Ela está ocupadíssima (dá pra imaginar, em plena semana da aviadora).

Ela considera válido criar um prêmio internacional para blogs que incentivam a participação da mulher na aviação, e vai analisar nossa proposta, com resposta em abril.

O blog do Aeroclube de São José do Rio Preto entra nessa competição prá valer e, desde já, concorre ao provável prêmio internacional no ano de 2012, com o apoio da mulherada rio-pretense.

Então, mãos à obra, mulheres. Celular funcionando aí com rajadas de Torpedos SMS e e-mails virais. Inscrições abertas no nosso aeroclube! Mas nada de discriminar os homens; eles também são bem vindos!”

Postado no Aeroclube de São José do Rio Preto em 3/10/2011 03:49:00 PM

quinta-feira, 10 de março de 2011

Computador, avião e blog

Agora já construí um blog. Não é lá “uma Brastemp”, mas dá pra me divertir um pouco. Quando penso que há não muito tempo, o computador era um intrigante enigma para mim, percebo como os tempos e os costumes mudaram - o tempora o mores! – e me lembro de como tudo começou.

Em 1994 decidi comprar um computador. De posse de poucos dólares que economizara, conversei com o senhor Joseph, um senhor húngaro, piloto durante a segunda guerra mundial, que fazia manutenção, comercializava computadores e orientava nos primeiros passos. Por meio dele comprei um PC-XT usado.

O CPU compreendia uma memória ROM de 40KB, uma memória RAM de 64KB e um processador de 16 bit. Na CPU havia uma unidade de disquete de 5" 1/4 com capacidade de 360KB. Com ele veio também uma impressora matricial Panasonic RX-P11 alguma coisa, de segunda mão, cuja fita só conseguia comprar na “Casa dos Computadores”, na Avenida Paulista, 1481.

Foi o senhor Joseph quem instalou a parafernália na Sexta Feira Santa daquele ano e orientou-me quanto à sua utilização. Instalados o Works, programa editor de texto, que deve ser o pai ou avô do Word, o Lótus, com certeza, pai do Excel e um programinha de desenho composto de linhas em diferentes posições para compor figuras.

Com aquela maquineta ganhei algum dinheiro em 1995, digitando etiquetas adesivas para malas diretas. Com ela também, impressa em formulário contínuo, foi que uma crônica de minha autoria classificou-se num concurso literário pela primeira vez.

Ainda em 1994, no dia 3 de outubro, dia do primeiro turno da eleição que elegeu para o primeiro mandado o Presidente Fernando Henrique Cardoso, estando o XP com defeito, liguei para a casa do senhor Joseph. O filho atende. Do outro lado da linha gritaria e choro. O rapaz dispara: “Não posso falar agora, meu pai caiu com o avião e morreu!”. Nos finais de semana o senhor Joseph trabalhava em Peruíbe pilotando um avião de sua propriedade, pulverizando as plantações de bananeiras.

quarta-feira, 9 de março de 2011

QUARESMA - Tempo de jejum?


A Quaresma deverá ser um tempo para “jejuar” alegremente de certas coisas e também para “fazer festa” de outras.

Neste tempo deveremos:
-jejuar de julgar os outros e festejar porque Deus habita neles.
-jejuar do fixarmo-nos sempre nas diferenças e fazer festa por aquilo que nos une na vida.
-jejuar das trevas da tristeza e celebrar a luz.
-jejuar de pensamentos e palavras doentias e alegrarmo-nos com palavras carinhosas e edificantes.
-jejuar de desilusões e festejar a gratidão.
-jejuar do ódio e festejar a paciência santificadora.
-jejuar de pessimismos, e viver a vida com otimismo como uma festa contínua.
-jejuar de preocupações, queixas e egoísmos; festejar a esperança e a Divina Providência.
-jejuar de pressas e angústias; fazer festa em oração contínua à Verdade Eterna.

Quaresma tempo de encontro com Deus

segunda-feira, 7 de março de 2011

Minha mãe

"Não tinha escola nem dinheiro", como na canção Utopia (Pe. Zezinho), uma de suas favoritas, mas cultura e boa formação não lhe faltavam. Tendo cursado apenas a primeira série do ensino primário, me alfabetizou e ensinou-me os primeiros números, por volta dos quatro anos.

Ouvia e gostava de música clássica. Caruso, Mario Lanza, Christina Maristany, Léa Vinocur Freitag, Villa Lobos, orquestras sinfônicas e filarmônicas famosas e seus maestros, ao som da Rádio Gazeta - "a emissora da elite" - fizeram parte de minha infância junto com as horas de prática de crochê, bordado e tricô que não podiam faltar no currículo de uma menina que já aos oito anos deveria começar a tecer as primeiras peças de seu enxoval.

E era ao som da Rádio Gazeta que minha mãe num passe de mágica transformava parcos e simples ingredientes em saborosas refeições. Nos aniversários de suas meninas, três, o bolo com recheio de morango, coberto com glacê de clara de ovos, côco e confeitos prateados era ansiosamente esperado por todos.

Seu único sonho era ver suas meninas formadas, afinal "o estudo é a coisa mais importante para o pobre". Queria que elas tivessem uma vida mais amena que a dela. Viveu para suas meninas e conseguiu realizar o sonho.

Neste começo de ano ela se foi e na solidão das arrumações de seus pertences, as marcas indeléveis de sua sensibilidade, carinho, habilidades, bom gosto. A coleção de moedas, trabalhos manuais, textos de Garcia Marques, nossas fotos do colégio com as medalhas de honra ao mérito do curso primário, cartões postais de viagens das suas meninas, lembranças de bons momentos, todos os presentinhos ganhos em incontáveis dias das mães.

Ela se foi na hora certa: depois de perder a memória e antes de perder a condição de vida digna. Sempre estará em nossa lembrança, nossos corações e em minhas orações como mãe exemplar e ser humano maravilhoso, cujas últimas palavras foram: "obrigada, Deus a abençõe!"




Sobre a Tropaeolum Majus


Não sei se era moda ou gosto, mas o jardim da minha avó Deolinda era bem original. Lembro de algumas plantas que raramente vi em outro lugar e da maioria delas não recordo os nomes. Giesta, groselha e capuchinha, a tropaeolum majus, que nunca faltaram por lá, são exemplos do que digo.


Quando ainda bem pequena, de todas, a última era a que mais me chamava a atenção e quando muito mais tarde curei-me de graves afecções da pele com a prescrição daquela planta, ela passou a fazer parte da minha vida.

Hoje, a flor, que é comestível é comumente utilizada na decoração de pratos finos, mas para mim sempre será a Capuchinha ou Flor das Chagas cuja visão me remete à minha avó paterna, à infância e à necessidade de escrever sobre outras épocas.

Daí o título do blog.