quinta-feira, 1 de setembro de 2011

ANTES E DEPOIS

Hoje, por conta de uma notícia triste, mergulhei nas minhas próprias tristezas guardadas dentro do coração - como dizia uma sábia amiga: nossos problemas são problemas só nossos e a cara tem que estar sempre boa, ela pertence ao mundo – busquei este texto desabafo, escrito há muito e decidi compartilhá-lo, como forma de solidarizar-me com todos que choram suas perdas.

O corredor é estreito e mal iluminado. A atendente avisa:

- Tem muito sangue, tem certeza que quer olhar?

- Como saber se não olhar?

Ela abre uma porta pintada de branco, muito suja.

Apesar do frio daquela manhã de agosto, lá dentro é abafado. Mal consigo respirar.

A mulher, uma negra simpática e afável, com uma expressão lancinante de piedade noolhar, estende o braço pela porta aberta, tateia e acende uma lâmpada.

- Não acha melhor esperar alguém para acompanhá-la? Não vai se sentir mal?

- Pior é impossível. Preciso ter a certeza já!

Entramos. Ela na frente, eu atrás.

O cômodo mal iluminado, sem janelas, pelo menos se as tinha, não vi, não permite ver além do foco da lâmpada. O foco da lâmpada que ilumina um balcão de concreto aparente, creio eu, sobre o qual repousa um enorme volume preto.

Ela ainda me olha mais uma vez, com aquele olhar que dizia mais que mil palavras, dá um passo à frente, estende a mão sobre o volume e lentamente vai abrindo um zíper que parece não ter fim.

As batidas do meu coração me sufocam e ensurdeço. Meu corpo todo pulsa comandado por uma esperança que minhas entranhas avisam ser vã.

Ela dá um passo para trás para me ceder espaço.

- Pronto, pode olhar.

Não me lembro do que vi, pois como explicam os entendidos, o cérebro dispõe de mecanismos de defesa, que nos imunizam contra a realidade permitindo a preservação da sanidade. Não lembro, mas sei o que vi e por não acreditar, ainda peço para ver mais uma vez.

As pernas fraquejam. O cheiro de sangue quente me enjoa. Jamais vou esquecer aquele cheiro. Meu corpo estremece e a dor é tanta, que as carnes doem. Doem como se o sangue não conseguisse passar pelas veias e artérias.

- A senhora está passando mal? Quer alguma coisa, um café forte?

- Não, obrigada.

Respiro fundo, quase sem forças para sugar o ar, levanto a cabeça e com passos firmes vou até o posto policial e faço o que tem que ser feito: informo à autoridade de plantão, que aquele corpo perfurado de balas, ali recolhido como um entulho é meu filho, gerado e criado com extremo amor e arrancado de mim pela maldição das drogas.

Preencho o formulário sem sentir as mãos e saio sem rumo.

Tudo não leva mais de 15 ou 20 minutos, mas são os minutos que dividem minha existência em ANTES e DEPOIS.

Um comentário:

  1. ÁS VEZES É MUITO BOM PARA NOSSA ALMA DESABAFAR NOSSAS TRISTEZAS,ANGÚSTIAS,PROBLEMAS COM ALGUÉM PRÓXIMO DA GENTE: o coração agradece.
    abraço Lidia

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