Em
1971, já professora efetiva lecionando na E.E. Prof. Antonio Olegário dos
Santos Cardoso, no Bairro Adachi em Mogi das Cruzes, fui convidada a participar
do censo agropecuário, em continuidade ao recenseamento de 1970.
Tudo
era novo, morar em outra cidade, trabalhar na área rural, ter meu primeiro
carro, um fusquinha 66 azul e agora participar desse trabalho junto ao IBGE
local. O diretor desse órgão na cidade era o Dr. Francisco Nogueira – Chico
Nogueira como seria conhecido quando candidato à prefeitura. Viera de Mirassol,
transferido com a família para exercer ali essa função. Boa pessoa, calmo,
compreensivo e correto. Faleceu ainda jovem, logo após as eleições de 1982.
Participei
do treinamento e recebi de suas mãos a área na qual deveria visitar as
propriedades rurais para preencher os formulários daquele censo – 43 propriedades
perdidas em meio a resquícios de Mata Atlântica nos confins de Mogi das Cruzes
divisa com Biritiba Ussú – no trajeto da atual Rodovia Mogi-Bertioga.
A
quase totalidade das propriedades pertencia a japoneses, muitos que não
entendiam o português e outros que por conveniência fingiam não entender por receio
de que fosse fiscalização e não pesquisa. Aprendi algumas palavras chave: ocanê=dinheiro;
nambo=quanto; nomes de frutas, das quais só lembro momô=pêssego; a contar pelo
menos até mil; laços de parentesco; etc. Só sei que deu tudo certo.
Fiz
um rápido curso de mecânica VW, recebi diploma e luvas brancas. Estaria
completamente só em meio a grandes áreas desertas. Sabia trocar pneus, mexer no
carburador, verificar o óleo, limpar as velas, o platinado outras coisas que
não me lembro mais. De tudo que aprendi, só necessitei trocar pneus e esfriar a
bomba de gasolina certa vez.
O
que não me ensinaram, mas, me saí bem, foi quando em meio ao nada, atolei numa
área de lama. Quanto mais tentava sair, mais afundava a roda traseira. A
probabilidade de passar alguém por ali era quase nula. As propriedades eram
auto suficientes e só de vez em quando alguém ia à cidade.
Como
nos filmes, saí recolhendo tocos de árvores e pedras e fui enfiando embaixo da
roda atolada e das outras. Andava alguns centímetros e transpunha os entulhos para
a frente das rodas novamente. Gastei quase a tarde toda, fiquei coberta de
lama, mas consegui. Daquele dia em diante, não passava nem em pingo d´água.
Certo
dia ao embicar o carro em direção à porteira de uma propriedade bem cercada,
fui recebida por um jovem japonês e sua espingarda de dois canos apontada para
mim. Depois de muita explicação, fui atendida, eu do lado de fora e ele dentro.
Preenchi os questionários sob a mira do olhar desconfiado do moço e de olho na
espingarda que não sossegava em suas mãos.
De
cachorros, nem sei quantas vezes corri, até aprender a buzinar e esperar dentro
do carro que alguém aparecesse e prendesse as feras.
A
colonização japonesa de Mogi se fez a partir de pequenas propriedades, de dois
a quatro alqueires paulistas, o equivalente a 24.000 m2 cada. Eram
granjas de criação de galinhas e frangos, para postura e abate, chácaras de
frutas, em geral pêssego, caqui, poncã, goiaba, uva Itália e hortaliças:
alface, batata e cenoura.
Nas
minhas andanças encontrei uma família italiana. Moravam numa casa inacabada,
guardada por belos pastores alemães, detentores de muitos prêmios como pude ver
em uma estante. Plantavam verduras e legumes para o próprio consumo, criavam
cabras para obter leite e carne, e, como atividade remunerada, criavam coelhos
para vender recém nascidos, aos quilos, para experiências científicas no
Instituto Biológico de São Paulo. Uma atividade interessante que merece um
capítulo à parte, bem como a família, que sem o saber, naquele momento, o chefe
era colega de trabalho do meu marido na Elgin Máquinas de Costura. Essa foi
minha melhor entrevista durante o censo.
Visitei
duas propriedades de chineses e numa delas passei uma saia justa, com um jovem
chinês, que creio não era muito certo da cabeça, que ali, em meio às perguntas
do formulário perguntou se eu queria casar com ele. Eu que já estava quase na
porteira, me pus do lado de fora rapidamente e encerrei a entrevista inventando
os dados que faltavam. Sinto muito!
Ganhei
algum dinheiro, aprendi muita coisa, conheci pessoas bem diferentes, lavradores
japoneses, lavradores nisseis com nível universitário, tanto homens quanto
mulheres com as mãos rachadas e manchadas pelos agrotóxicos, artistas plásticos
perdidos naquelas propriedades rurais produzindo maravilhosamente sua arte, ganhei
frutos do trabalho daquela gente que durante o censo abasteceram minha casa,
encantei-me com os grandes galpões de plástico transparente erguidos para o
cultivo da rosa vermelha cabo longo, para exportação e surpreendi-me com o modo
como são cultivados os champignons, com expressiva produção em Mogi,
em longos e estreitos barracões de pau a pique, cobertos de sapé com
minúsculas janelas bloqueadas por retalhos de tecido, para cortar a luz, mas
permitir a ventilação, e lá dentro,
prateleiras em toda a extensão cobertas de esterco de galinhas onde são
injetados os esporos que dão origem à deliciosa iguaria. Ali, o calor e o
cheiro eram insuportáveis.
O
censo agropecuário do IBGE de 1970, levado a efeito em 1971 em Mogi das Cruzes,
foi para mim, uma experiência enriquecedora e inesquecível, que trago na minha
bagagem de paulistana urbanoide.
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