Não sei a quantas anda o Hospital do Servidor Público do Estado, a única vez que me utilizei dele, além do ambulatório, foi em 1995, numa situação de emergência e sem cobertura de um plano de saúde e fui muito bem atendida por um jovem residente de cabelos ruivos, que logo detectou o problema, pediu exames urgentes e me internou para cirurgia. E aí é que começa o sufoco.
Numa enfermaria de quatro leitos, na ala em reforma, logo descobri que do banheiro restava apenas o contra piso rústico e alagado pelo vazamento do vaso sanitário. Cheirava mal, mas tinha uma grande vantagem: era o único na ala que tinha água quente no chuveiro o que levava a uma desvantagem: todas as pacientes da ala vinham tomar banho ali, num entra e sai interminável.
Meu estado era grave (estava com mioma no útero e tinha hemorragia contínua), mas tinha um consolo: não morreria só. Além do movimento do banheiro, à noite, graças a uma gentil colega de quarto, este atingia sua lotação máxima. Pacientes de outros quartos e faxineiras. compareciam para o capítulo inédito da novela da Globo. Sentadas em nossas camas, apoiadas em suas vassouras e rodos, comentavam animadamente o desenrolar da trama. Só faltava a pipoca com guaraná.
Quanto à faxina, minha irmã providenciou o material necessário para que eu, embora conectada ao soro, providenciasse a desinfecção do banheiro.
Exames, vários dias de jejum, muita medicação e nenhum resultado, um belo dia, decidiram por transfusão de sangue e cirurgia imediata.
Chamei o capelão do hospital e pedi a Unção dos Enfermos para salvar a alma, o corpo já considerava perdido.
À tarde o Centro Cirúrgico vagou, bem na hora da visita. O hospital parecia um shopping center em véspera de Natal e em meio ao entra e sai, com jejum de quatro dias, sou conduzida por uma enfermeira, sem cadeira de rodas nem maca, vestida com um modelito nada pudico e carregando o pesado suporte de ferro do soro e, diante da perplexidade da minha filha, começo o desfile por aquele longo corredor repleto de transeuntes, quando uma hemorragia me obriga a parar.
Aos gritos de minha filha, uma cadeira de rodas aparece, jogam um lençol sobre a mim, e, aos prantos dou entrada no CC, sob os olhares de reprovação do grupo de residentes que aguardavam para assistir a função e antes de subir na mesa de cirurgia, sem ajuda, ainda ouço o comentário de uma das mocinhas: “chorona, só porque é paparicada pela família, fica fazendo manha”.
A sala de cirurgia improvisada, compunha-se de mesa, alguns aparelhos, um balcão tipo pia do meu lado esquerdo, onde jaziam à minha espera dois frascos de sangue e do lado direito, prateleiras repletas de aparelhos de TV, vídeo, equipamentos e caixas empoeiradas.
Em um canto o grupo, uns quatro ou cinco, conversava animadamente, enquanto dois jovens simpáticos cuidavam da anestesia, que segundo eles seria um procedimento digno do hospital A. Einstein.
Anestesia raquidiana, pois o hospital não dispunha de peridural, como constataram na hora.
Preparar, apontar e... nada! A anestesia não funcionou.
Replay. Não funcionou de novo.
“Será que estavam vencidas?” sussurra um deles.
“O que fazemos agora?”
“ Vai de geral” .
“ Não pode, ela fez duas transfusões hoje!”
“ Mas tem que ser agora!”. Está tudo preparado e sabe lá quando vai ter vaga de novo.
“Onde estará meu residente de cabelos ruivos?!” Não fujo porque estou amarrada.
Olho para a porta aberta e vejo a janelinha de vidro da sala em frente e não sei por que me lembro da música do Amado Batista:
“No hospital, na sala de cirurgia, pela vidraça eu via...”
Uma injeção na veia e quando abri os olhos estava numa maca em movimento, rodeada pela minha família. Não entendi nada. Só acordei de verdade, dois dias depois, quase sem poder me mexer e me sentindo muito mal, mas não estava só. As faxineiras continuavam ali, solidariamente assistindo a TV, sentadas em cima de nossos leitos e as colegas de quarto saboreavam as minhas sobremesas que se acumulavam sobre a mesa de cabeceira.
Estive ali durante nove dias. Dentro das limitações da falta de pessoal e apesar dos baixos salários, fui muito bem tratada pelos médicos e enfermeiras, só tendo a agradecer, pois após a cirurgia recuperei minha saúde.
Quatro dias depois da cirurgia, após assistir a agonia de uma das ocupantes do quarto, convenci o médico de que estava bem, me alimentando e com tudo funcionando (Mentira! Não fiz cocô nenhuma vez ali).
Consegui alta e saí numa cadeira de rodas.
Só então, ao abrir a porta de casa, tive a real dimensão do quanto ela era limpa, acolhedora e que banheiro maravilhoso era o meu!